O colunista da Bloomberg Gadfly, Marcus Ashworth, que cobre os mercados europeus diz que Portugal está atolado num “vértice” de dívida excessiva.
“Tempos difíceis se avizinham para os títulos portugueses. Portugal andou ao retardador no ano passado, e 2017 parece vir a ser muito pobre”, diz o analista ao mesmo tempo que lembra que o director-geral do Mecanismo Europeu de Estabilidade, Klaus Regling, afirmou na semana passada que os mercados estão “nervosos” com o nível da dívida pública de Portugal, com o sector financeiro e com a sua falta de competitividade”.
Diz o cronista da Bloomberg que traça um cenário preocupante para Portugal e atribui culpas às políticas do actual Governo, que “Portugal tem a curva de rendimento mais íngreme da Europa” e ao mesmo tempo fala de “um retorno da dívida portuguesa aos níveis da era da crise”.
“As yields das Obrigações portuguesas ficaram sustentadamente baixas durante um período de tempo, o suficiente para sugerir que estávamos muito longe dos dias de resgate de 2011-2014”, diz o artigo do analista da Bloomberg que sugere que esse caminho foi invertido. “É verdade que têm sido meses difíceis para as obrigações em todo o mundo, mas Portugal está a evidenciar uma pressão especial“, diz Marcus Ashworth.
Recentes desenvolvimentos justificam o aumento da preocupação com a possibilidade de Portugal depender do apoio da Troika (do Banco Central Europeu, da Comissão Europeia e do Fundo Monetário Internacional), diz o analista.
“O governo não está a fazer nada [para travar isso] ao se desviar do caminho de austeridade”, diz.
“Portugal foi o bom aluno do rigor fiscal durante o período de três anos em que teve em terapia intensiva, sob o anterior governo de centro-direita. O trabalho árduo compensou, como se pode ver pela queda dos juros das Obrigações do Tesouro na altura, no entanto a actual coligação liderada pelo governo minoritário do Partido Socialista sob governo do primeiro-ministro, António Costa, reverteu os cortes nos salários e nas pensões do setor público, e os progressos na estabilização das finanças públicas estão parados”, alerta o artigo de opinião do analista da Bloomberg.
“O Ministério das Finanças tem-se esforçado para salientar que o rácio défice/PIB de 2016 ficou abaixo da meta de 2,5%. No entanto, não tem havido quase nenhum progresso na redução do rácio dívida/PIB, a terceira maior da Europa depois da Grécia e Itália. Este é um problema fundamental que nunca será resolvido a menos que haja um write-off da dívida – o que infelizmente só por cima do cadáver da Alemanha”, lê-se no artigo.
“Atolado num vértice de dívida de 232 mil milhões de euros, o que mantém Portugal fora de problemas mais graves é a sua adesão às exigências da troika em matéria de disciplina fiscal”, diz ainda o analista.
Marcus Ashworth lembra que “a economia portuguesa é uma das mais pequenas da zona do euro, de modo que o governo simplesmente não tem margem para fazer frente às entidades europeias, como a Itália faz. Enquanto o Mecanismo Europeu de Estabilidade tem uma abundância de fundos suficiente para subscrever a dívida de Portugal, mas recusar-se-ia a permitir que o país voltasse a medidas de emergência”.
O inverno do descontentamento, chama a Bloomberg ao facto de desde o Verão as obrigações portuguesas terem aumentado em 150 pontos base o seu spread face à Alemanha (hoje o spread face às bunds alemãs está nos 368 pontos).
Os juros portugueses estão nos 4,14% e os alemães também a 10 anos estão nos 0,46%. E a última emissão portuguesa a 10 anos, que vence em 2027, está mesmo já a transacionar no mercado secundário acima dos 4,4%, segundo disse um analista ao Jornal Económico.
Marcus Ashworth, que esteve no Haitong Securities em Londres, diz que “o timing [da subida dos juros] não podia ser pior, já que a dívida portuguesa será a que mais rapidamente vai atingir os limites das regras do programa de compras do BCE”. O cronista falava do limite de 33% por emitente imposto nas compras de obrigações governamentais pelo BCE.
“A Irlanda está no mesmo barco”. As compras de bancos centrais têm sido cruciais para reduzir as taxas de rendibilidade das obrigações portuguesas, mas em vez do tradicional ritmo mensal de 1,4 mil milhões de euros permitido pelas regras do programa, este ritmo caiu para 700 milhões de euros em Dezembro e deverá cair mais, para 440 milhões de euros.
“O mecanismo de apoio de Portugal está a ser retirado numa altura em que o país ainda precisa de toda a ajuda que pode obter”, explica Ashworth.
“A Fitch Ratings deve rever sua classificação do rating BB + para Portugal a 3 de fevereiro, e já alertou que tem preocupações sobre o Orçamento do Governo e sobre o sistema bancário. A sua perspectiva é estável, mas mesmo um simples movimento de redução da perspectiva para negativa seria um grande sinal de que a direção da viagem mudou, e iria exercer pressões sobre o importante rating de investment-grade (único) da agência canadense DBRS (rating BBB baixo). Essa classificação é vital para que Portugal mantenha o acesso ao Quantitative Easing do BCE – tornar-se inelegível iria mergulhar os títulos portugueses de volta ao juros em território de crise”, diz o analista.
As regras podem ser alteradas, mas exigiria alguns movimentos criativos, mais uma vez do BCE, o que seria crucial para o Eurogrupo e para o próprio governo português não verem a espiral de dívida de Portugal a sair fora de controle.
“Portugal tem apresentado taxas médias de crescimento económico, ultimamente, e tem uma almofada decente de liquidez. Mas o endividamento é muito alto, e parece que as autoridades perderam o apetite para colocá-lo sob controle e assim mantêm a troika em jogo. Os investidores parecem estar a começar a realizar que se deu essa mudança, e isso pode piorar no futuro”, diz Marcus Ashworth.
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