A ex-eurodeputada Ana Gomes saudou hoje a detenção de dois suspeitos na operação “Cash Flow” com ligações à filha do presidente da Guiné Equatorial, um caso que denunciou em 2018 junto da Comissão Europeia e da Autoridade Bancária Europeia.
“A justiça tardou a agir, mas agiu”, afirmou à Lusa Ana Gomes, recordando que a sua denúncia era “evidente” e representava “um caso proeminente” que já deveria ter sido investigado há mais tempo pelas autoridades nacionais.
Na terça-feira, a Polícia Judiciária (PJ) anunciou a detenção de dois suspeitos, um empresário e um advogado, com ligações a Francisca Nguema Jiménez, filha do Presidente da Guiné Equatorial, por suspeitas de corrupção, fraude na obtenção de subsídio, fraude fiscal e branqueamento de capitais, que lesaram Portugal e a União Europeia em cerca de sete milhões de euros.
Em causa está o uso da Zona Franca da Madeira como plataforma de investimento em Portugal, um recurso que, segundo Ana Gomes, é comum “para quem quer lavar dinheiro”.
“O objetivo da Zona Franca da Madeira é dar proteção a todo o tipo de escroque e aos cleptocratas”, afirmou Ana Gomes, que acusa a família que governa a Guiné Equatorial de utilizar Portugal para retirar dinheiro do país.
Os dois detidos “não são os únicos intermediários dessa família de cleptocratas” e “é necessário investigar e fazer mais”, afirmou a ex-eurodeputada.
“Há muita cumplicidade na falta de investigação de muita gente, inclusivamente ao nível de gente que passou pela política ou advogados” com “ligações a esse regime”, acusou.
A operação “Cash Flow”, a cargo da Unidade Nacional de Combate à Corrupção (UNCC) e com cumprimento de mandados em vários distritos do continente, na Madeira e em Espanha, levou à constituição de três arguidos, dois dos quais detidos, suspeitos de terem criado uma sociedade com o intuito de a candidatar a apoios financeiros da União Europeia (UE).
Segundo a Judiciária, os arguidos, indiciados pelos crimes na forma agravada, após a constituição da sociedade submeteram-na a um projeto ao Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), onde se comprometiam a criar um estabelecimento industrial para a produção de ‘pellets’ (produto para aquecimento e climatização), na cidade da Guarda.
A investigação da UNCC apurou ainda que, “para levar a cabo o plano criminoso”, os suspeitos terão desenvolvido vários esquemas, nomeadamente a capitalização de uma empresa em cerca de dois milhões e quinhentos mil euros, provenientes de uma outra, sediada na Zona Franca da Madeira, uma vez que a concessão do incentivo financeiro se encontrava condicionada à apresentação de, pelo menos, 25% de capitais próprios do projeto.
Os suspeitos terão ainda, segundo a PJ, inflacionado despesas, celebrado contratos simulados e omitido a aquisição de equipamentos logísticos a uma empresa sediada num país com tributação privilegiada.
“Todas estas ações visavam a apresentação de um projeto com custos acrescidos, aumentando assim as possibilidades de beneficiar de um incentivo mais elevado, porém dado a sua ilicitude, as despesas apresentadas não podiam ser consideradas elegíveis e, consequentemente, não podia ter sido atribuído o incentivo financeiro”, explica a Judiciária.
Desde a preparação da candidatura, passando pela sua submissão, foram fornecidas ao IAPMEI informações falsas, inexatas e incompletas, relativas a factos importantes para a respetiva concessão do subsídio.
No decurso da investigação foi, também, possível apurar que os suspeitos têm participações em diversas sociedades comerciais portuguesas e estrangeiras, resultando fortes indícios de que utilizam o sistema bancário para fazer circular fundos entre contas bancárias da Guiné Equatorial, Luxemburgo, Marrocos, Emirados Árabes Unidos, Espanha e Portugal, para contas bancárias destes, dos seus familiares e de empresas associadas.
A operação “Cash Flow” decorreu nos distritos de Lisboa, Porto, Guarda, Braga, Vila Real na Região Autónoma da Madeira e em Espanha e visou a execução de 24 mandados de busca, nove domiciliárias e 15 não domiciliárias, e contou com a participação de 102 inspetores, quatro peritos da Unidade de Perícia Tecnológica e Informática e cinco peritos da Unidade de Perícia Financeira e Contabilística da PJ.
A Guiné Equatorial é governada desde a década de 1970 por Teodoro Obiang Nguema, acusado da prática recorrente de corrupção e de várias violações de direitos humanos, e integra a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) desde 2014.
Tagus Park – Edifício Tecnologia 4.1
Avenida Professor Doutor Cavaco Silva, nº 71 a 74
2740-122 – Porto Salvo, Portugal
online@medianove.com