Com o Decreto-Lei 46/2017, de 4 de Maio, o Governo acrescentou às cinco componentes constitutivas da base tributária da taxa de recursos hídricos (TRH) a Componente S, taxando os utilizadores privativos de águas que alimentem sistemas de abastecimento público, e os consumidores finais sobre os quais estes sistemas repercutem legalmente os respetivos custos, com um valor adicional por m3 de água que acresce às restantes componentes da TRH que taxam o volume captado pelos utilizadores privativos dos recursos hídricos para o abastecimento e consumo, num valor por m3 de água do domínio público hídrico do Estado.

Trata-se de um aumento inconstitucional da tributação porque segundo a Constituição (CRP) e a Lei Geral Tributária: 1) se o Governo pode criar, por Decreto-lei autónomo taxas que são contrapartidas pagas pelos destinatários individualizados das prestações públicas efetuadas, com correspondência no custo efetivo de cada prestação – exigência designada por princípio da cobertura do custo; 2) já assim não pode criar um imposto, i.e., um tributo em proveito de fins públicos que não coincidem com as utilidades recebidas, e que, por isso mesmo, só pode ser criado pela Assembleia da República ou, quando muito, por um Decreto-lei autorizado por uma Lei de Autorização Legislativa, que lhe fixe o objeto, o sentido, a extensão e a duração.

Segundo o preâmbulo do novo Decreto-Lei, o processo de reversão das agregações (…) dos sistemas multimunicipais “exige o recurso a mecanismos de compensação que limitem o aumento das tarifas para os sistemas situados em territórios de baixa densidade”, no sentido de atribuir uma nova vocação à TRH: a de contribuir para a “sustentabilidade dos serviços urbanos de águas. Ora, isto não constitui uma Lei de Autorização Legislativa. Tentou-se, ao invés, “rever o regime da TRH, considerando as compensações necessárias ao equilíbrio dos sistemas que historicamente registaram desvios de recuperação de gastos, consagrando uma nova parcela, designada de «S», cujo desígnio é a promoção da sustentabilidade dos sistemas urbanos de águas, [sendo] Esta nova receita (…) consignada ao Fundo Ambiental (…) que, por sua vez, transferirá os montantes necessários para os sistemas beneficiários”.

Portanto, os sistemas de abastecimento público de água se, com as restantes parcelas, pagavam a estrita contraprestação da água desviada dos recursos de todos para venda sob a forma de abastecimento às populações, com o que eram tributados por uma verdadeira taxa que não precisava de credencial parlamentar para ser criada; já com a nova parcela passam também a subsidiar saúdes financeiras que não as suas, ante o que passam a estar sujeitos a um tributo maior do que a contraprestação de um benefício, ou seja, a um imposto, inconstitucional, porque deveria ter sido criado por Lei ou Lei de Autorização da AR e não o foi.

Deixou, portanto, de ser verdade que a TRH “assenta num princípio de equivalência, ou seja, na ideia fundamental de que o utilizador dos recursos hídricos deve contribuir na medida do custo que imputa à comunidade ou na medida do benefício que a comunidade lhe proporciona”; o que, para o consumidor, a quem são repassados os custos do abastecimento, significa subsidiar a água dos seus concidadãos, caso não se encontre em territórios de baixa densidade, sem a intervenção parlamentar que legitimaria essa imposição! A Componente S da TRH é, afinal, um imposto inconstitucional já que “Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição” (artigo 103 CRP).