Durante décadas a fio a União Europeia empenhou-se fortemente em apoiar e desenvolver políticas regionais como forma de atenuar e diminuir assimetrias existentes dentro dos seus Estados-membros. Chegou, posteriormente, ao ponto de estimular a criação de regiões transfronteiriças desde que conhecessem um significativo padrão de continuidade em relação aos seus principais indicadores socioeconómicos. A política regional foi, assim, durante muitos anos, um dos pilares das políticas comunitárias traçadas a partir de Bruxelas que se traduziu, de uma forma claramente visível, na criação de um Comité das Regiões como instância e órgão da União Europeia, espécie de parlamento (europeu) das regiões europeias.

Porém, para além desse objetivo mais visível de atenuar assimetrias entre diversos territórios do espaço da União, a opção pela valorização e estímulo às políticas regionais teve, também, um outro objetivo, nunca assumido nem publicitado, mas incontornavelmente presente no espírito dos decisores de Bruxelas: o enfraquecimento do poder dos respetivos Estados-membros. Estimulando a transferência de poderes dos Estados para entidades infra-estaduais – a somar-se à transferência de competências dos Estados para a própria União – as competências dos membros da UE acabariam por ser significativamente reduzidas e a sua soberania deveras comprometida.

Edgar Morin, com a clarividência que se lhe reconhece, observa que os Estados-membros da UE se passaram a ver “ensanduichados” entre aspirações infra-estaduais (dos municípios, das regiões) e aspirações supraestaduais (da própria União Europeia). Recorrendo ao conhecido princípio da subsidiariedade, Bruxelas foi administrando, com saber e mestria, de acordo com os seus interesses próprios, uma verdadeira repartição multinível de competências, distribuindo as que outrora estavam apenas confiadas aos Estados, entre um nível infra-estadual, um nível estadual e um nível supraestadual.

Ou seja, a União Europeia adquiriu e reservou importantes competências para si própria, estimulando a atribuição de competências a entidades infra-estaduais com as quais se passou a relacionar diretamente e passando por cima dos próprios Estados, deixando para estes um núcleo residual de poderes e competências – a União Europeia enfraqueceu o poder dos Estados e, assim, facilitou o seu relacionamento com os mesmos. Apesar de se tratar de um objetivo nunca dito nem escrito, tão-pouco assumido, este afigura-se-me como uma realidade inquestionável.

Esta opção pelas regiões e por um certo regionalismo, valorizando as mesmas com o reforço das suas competências e o relacionamento direto com a própria União, acabou por ter uma consequência que, admito nunca tenha sido querida ou, sequer, prevista – transmitiu para essas mesmas regiões a vontade e o desejo de as mesmas aumentarem o seu poder político que, não raro, de variadas formas, começaram a reivindicar e a reclamar aos próprios Estados.

E assim, de forma lenta e gradual, mas num movimento inexorável, começaram a surgir movimentos e manifestações reclamando o aumento do poder político (e não apenas administrativo) das diferentes regiões que compõem os Estados-membros da UE. Como lucidamente observa Manuel Braga da Cruz, “o moderno regionalismo, longe de significar fechamento de horizontes sociais e políticos, é antes resultado de um grande cosmopolitismo. É o regionalismo das regiões mais ricas e desenvolvidas da Europa, das mais instruídas, das mais urbanizadas e industrializadas, que convive com o progressismo social e que encontra ecos de aceitação crescente entre a juventude. É disso expressão o regionalismo traduzido pelo autonomismo catalão e pelas ligas políticas italianas, que se revelam como fenómeno político-ideológico, de reação ao centralismo e de afirmação de localismo”.

O exemplo mais recente deste moderno regionalismo, tivemo-lo no passado domingo, com dois referendos em Itália, sobre o reforço das autonomias da Lombardia e Veneto. Em qualquer dos casos, foi do reforço da autonomia que se tratou e do aumento das competências de ambas as regiões para domínios claramente políticos, envolvendo transferências de competências até aqui detidas pelo Estado central para ambas as regiões. Mas aquele exemplo que mais visibilidade tem tido, nos nossos dias, é-nos dado por toda a situação a que temos assistido bem aqui ao lado, na Catalunha – onde esse mesmo regionalismo evoluiu para a forma mais extrema de secessionismo.

Numa altura em que, também entre nós, começam a renascer, de onde a onde, sugestões regionalistas, talvez seja bom e nos faça bem meditarmos e refletirmos sobre estes exemplos. Problemas, já temos que cheguem.