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“A CMVM procura diminuir a probabilidade de falhas graves dos auditores”

O novo quadro regulatório que vigora desde o final do ano passado, dá mais poderes à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, procura limitar o potencial de risco, mas também corrigir regras menos conseguidas e reduzir custos, tornando o sistema mais eficiente.
5 Junho 2022, 19h00

O Regime jurídico da supervisão de auditoria (RJSA) atribui à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) a supervisão de revisores oficiais de contas (ROC), das sociedades de revisores oficiais de contas (SROC), dos auditores e entidades de auditoria de Estados-membros e de países terceiros registados em Portugal que exerçam funções de interesse público. Desde 31 de dezembro de 2021 que as alterações introduzidas ao quadro regulamentar estão em vigor e trazem algumas novidades. A simplificação e a eficiência nortearam a revisão do RJSA, que passou a prever a redução do número de categorias de entidades de interesse público, permitindo uma supervisão mais focada nas entidades mais complexas e com maior risco sistémico, o que resulta, segundoa CMVM, em ganhos de eficiência e uma redução de custos desnecessários para o mercado, salvaguardando, ao mesmo tempo, a qualidade da supervisão global e a proteção dos investidores.

Já no que diz respeito às Sociedades de Revisores Oficiais de Contas (SROC), e com o intuito de reforçar as competências de supervisão, foi promovida uma revisão que passa por atribuir ao regulador dos mercados competências de supervisão dos requisitos de idoneidade, qualificação e experiência profissional dos membros dos órgãos sociais e a idoneidade dos sócios não ROC. A CMVM fica habilitada a elaborar os regulamentos necessários sobre supervisão da idoneidade, qualificação e experiência profissional dos membros dos órgãos sociais e da idoneidade dos sócios de SROC. Foram ainda revistas as regras sobre o registo dos auditores na CMVM e o respetivo regime sancionatório.

Em entrevista ao Jornal Económico, José Miguel Almeida, administrador da CMVM, fala do que muda no Regime Jurídico da Supervisão de Auditoria e das e das vantagens para o mercado das alterações introduzidas ao quadro regulatório.

Quais as vantagens do regime jurídico de supervisão de auditoria?
O sistema de supervisão de auditoria em Portugal é mais robusto desde 2016, nomeadamente com a introdução da supervisão por parte de uma entidade independente da profissão de auditor. É este o padrão na União Europeia e em outros países.

Essa robustez decorre também das alterações introduzidas, como por exemplo a rotação do auditor, que visaram melhorar a qualidade da auditoria e mitigar a probabilidade de falhas por parte dos auditores.

Neste contexto, gradualmente, desde 2016, a CMVM tem procurado promover a melhoria da qualidade das auditorias realizadas em Portugal, bem como dissuadir comportamentos que, direta ou indiretamente, podem comprometer a qualidade das mesmas. Uma vertente dessa atuação é dar aos auditores maior previsibilidade na atuação da supervisão da CMVM para que possam ajustar-se a essas expetativas. Por exemplo, anualmente, a CMVM publica os resultados das supervisões realizadas com o objetivo de identificar, sinalizar e dissuadir comportamentos não apropriados ou não expetáveis, bem como identificar as áreas que requerem maior atenção por parte dos auditores.

Sabemos, naturalmente, que todo este processo é exigente para os auditores, em termos de capital e talento e que requer continuado investimento e massa crítica mínima, mas também que é uma função de grande relevância para o eficiente e bom funcionamento da economia nacional.

Com a nova legislação evitam-se casos como a da KPMG/BES? Lembro que, para a CMVM, a KPMG devia ter inscrito reservas nas contas do BES…
Sem prejuízo do referido e das lições aprendidas, a história demonstra que não há sistemas de fiscalização infalíveis, sendo necessária uma atenção permanente a eventuais vulnerabilidades que venham a ser identificadas.

A CMVM, tal como outras autoridades de supervisão de auditoria, procura diminuir a probabilidade de ocorrência de falhas graves por parte dos auditores, recorrendo para o efeito a um processo de supervisão baseado no risco e nos factos. Fazemo-lo na supervisão de auditoria, da mesma forma que nas outras atividades de supervisão.

Uma das medidas introduzidas vai no sentido da simplificação. O artigo 3º do RJSA reduz o elenco de categorias de “entidades de interesse público”. Qual a importância desta alteração?
A qualificação de uma entidade como de interesse público [EIP], conforme expresso na Diretiva de Auditoria, deve decorrer da sua relevância pública significativa, tendo em conta a sua escala e complexidade e a natureza das suas atividades, sendo que esse nível de relevância e proporção impõe um reforço da auditoria às demonstrações financeiras dessas entidades.

Importa ter em conta que esse reforço da auditoria tem inerentes exigências e custos adicionais diversos, seja para a própria entidade seja para o auditor. Por exemplo, para a entidade, a qualificação como EIP impõe, desde logo, uma estrutura de fiscalização reforçada e a existência de um período máximo para o exercício de funções pelo mesmo Auditor.

A simplificação feita pelo artigo 3.º do RJSA permite direcionar e focar os recursos para o que, conforme a experiência tem evidenciado, tem relevância pública mais significativa, por exemplo pela sua dimensão sistémica, ao mesmo tempo que permite reduzir os custos de contexto inerentes a tal qualificação. No entanto, este processo não pode comprometer o objetivo da melhoria geral e continuada da qualidade das auditorias realizadas em Portugal, seja de EIP ou não-EIP.

Deixaram de se qualificar como entidades de interesse público as empresas de investimento, os organismos de investimento coletivo, as sociedades de capital de risco, as sociedades e fundos de investimento alternativo especializado, as sociedades e fundos de titularização de créditos, entre outras, mas mantêm-se como EIP os emitentes, as instituições de crédito e SGPS; e empresas de seguros, resseguradoras e SGPS. Pode explicar a importância desta medida?
Além do já referido, esta alteração permite também o alinhamento com a definição aplicada pela generalidade dos Estados-membros da União Europeia. Conforme evidencia um estudo do Accountancy Europe de 2019, apesar de vários países terem uma definição de EIP alargada face ao mínimo previsto na Diretiva de Auditoria, Portugal encontrava-se entre os que incluíam nessa definição um maior número de tipologias. Atualmente, Portugal mantém ainda assim uma definição alargada, mas mais próxima da generalidade dos seus pares na União Europeia.
Por outro lado, a definição de EIP existente não assegurava, necessariamente, a melhoria da qualidade da auditoria como um todo. Isto porque a amplitude que permitia era suscetível de comprometer a atenção e atuação sobre situações de maior risco. Atenção essa que deve continuar a ser uma preocupação dos investidores e outras partes interessadas nessas entidades, sejam ou não EIP.
Note-se que para as entidades que deixaram de ser qualificadas como EIP, os respetivos auditores continuam a ser objeto de supervisão pela OROC [Ordem dos Revisores Oficiais de Contas] e, indiretamente, pela CMVM.

Sobre o alargamento de período de nojo para auditores com registo cancelado compulsivamente. Foi alterado o artigo onde se prevê que o ROC com o registo cancelado não pode requerer novo registo antes de decorridos dois anos (caso o cancelamento tenha sido voluntário) ou 5 anos (caso o cancelamento tenha sido compulsivo). Até então, previa-se apenas um período de nojo de 2 anos,  independentemente da natureza do cancelamento. Até que ponto esta medida é um progresso?
A situação existente anteriormente não se mostrava proporcional. Ou seja, um auditor com registo cancelado por iniciativa própria tinha a mesma consequência que um auditor com o registo cancelado por iniciativa da CMVM.

Um registo cancelado compulsivamente pela CMVM, normalmente tem associado um comportamento não apropriado, indiciando que o supervisionado não tinha condições para exercer a profissão.

A nova legislação dota a CMVM de poderes para supervisionar os requisitos de idoneidade, qualificação e experiência profissional dos membros dos órgãos sociais e idoneidade dos sócios de sociedades de revisores oficiais de contas (independentemente de serem ou não ROC), tendo em conta a influência que exercem na cultura e liderança daquelas estruturas. A lei passa então a dar mais poderes à CMVM?
Exato. Esta medida foi considerada muito adequada sob o ponto de vista do bom governo das auditoras. O equilíbrio individual no exercício da atividade – isto é, o “level playing field” – é equivalente para os órgãos de gestão ou sócios das auditoras. É uma atividade regulada e, como referido, de grande relevância para o eficiente e bom funcionamento da economia nacional. Nessa dimensão, é um poder de supervisão equivalente ao que existe relativamente a outras entidades sujeitas à supervisão da CMVM.

Com a nova Lei, a CMVM passou a poder atuar quando estão em causa membros dos órgãos sociais ou sócios que não sejam auditores ou que não estejam como tal registados na CMVM, quando as suas condutas o justifiquem.

O novo regime prevê-se ainda a possibilidade de a CMVM poder elaborar os regulamentos necessários sobre supervisão da idoneidade, qualificação e experiência profissional dos membros dos órgãos sociais e da idoneidade dos sócios de SROC. É uma medida positiva? Quando serão elaborados?
É uma medida positiva, bem como de coerência com a medida de abranger todos os membros dos órgãos sociais e sócios das auditoras na esfera de análise das respetivas idoneidades. Os regulamentos permitem concretizar e desenvolver matérias ou requisitos que já existem na Lei. Ainda que o mesmo possa ser feito por via de orientações, o nível de impacto sobre os visados é diferente.

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