O trabalho hoje já não garante a sustentabilidade económica e não assegura, por conseguinte, uma vida condigna ao trabalhador, sobretudo aos trabalhadores na periferia das cidades europeias. Nas periferias estão alojados em bolsas de mão-de-obra barata e ao dispor de uma entidade empregadora capaz de utilizar estes sujeitos sem nunca priorizar os seus direitos.
Durante anos, os trabalhadores periféricos construíram e limparam escritórios e residências sempre contra o pagamento de baixos salários. Ainda assim, estes sujeitos aceitaram (e continuam a aceitar) essa condição de exploração sem apresentar quaisquer reivindicações políticas.
O silêncio político da grande massa de trabalhadores das periferias deu-se devido à situação de imigração que está sempre associada ao sentimento de não pertença à comunidade nacional.
Com a crise social e económica que se abateu sobre a Europa, estes trabalhadores, que já auferiam baixos salários, acabaram por sofrer uma perda de poder de compra muito significativa, comprometendo, muitas vezes, a sua sobrevivência. Estes trabalhadores já se encontravam numa situação de fragilidade económica e de vulnerabilidade social, estando, igualmente, politicamente desprotegidos.
Assim, no próximo dia 25 de Fevereiro, um movimento designado de “Vida Justa” sairá às ruas de Lisboa para protestar contra a “subida dos preços, os despejos de casas [que] aumentam e os salários [que] dão para menos dias do mês. [porque] As pessoas estão a escolher se vão aquecer as suas casas ou comer”, conforme surge no seu próprio manifesto.
O surgimento de um novo movimento de protesto da periferia sempre se mostrou necessário e vital, sobretudo para trazer ao centro as preocupações da população desta geografia profundamente afectada por um fenómeno de exclusão política. Esta espécie de grito do Ipiranga deveria também despertar os partidos com representação parlamentar, porquanto os partidos políticos assumiam as funções clássicas de representação política, que se traduziam na integração e na mobilização de um conjunto de cidadãos. Igualmente, asseguravam a articulação e a agregação dos interesses sociais e políticos apresentados pela sociedade em geral.
No entanto, de acordo com o cientista político Peter Mair, muitos partidos passaram a fortalecer a sua ligação ao Estado e a conferir, assim, uma crescente prioridade ao seu papel enquanto detentores de cargos públicos. Desta forma, o parlamento passou a ser o espaço, por excelência, de produção da vida política. E os partidos políticos deixaram de estar na arena de mobilização do protesto e de reivindicações, sobretudo com prejuízo para os grupos excluídos socialmente e sem espaço na comunicação social nem capacidade de gerar um movimento de pressão forte, com impacto social, nem de ocupar lugares de fala.
Este distanciamento entre os partidos e os cidadãos tem levado a uma crise de percepção e de legitimidade da própria democracia representativa, porquanto uma crise do agente que concebe a representação não poderia deixar de afectar o núcleo da democracia. Assim, os partidos cuja agenda é contra o establishment estão a ganhar espaço representativo e espaço eleitoral, não sendo um epifenómeno ou obra do acaso. Acaba por ser o resultado de ausência de intermediação entre os cidadãos e os partidos do establishment.
O movimento Vida Justa, portanto, acaba por ser uma oportunidade de dignificar quem faz do trabalho o seu meio de subsistência e, igualmente, uma forma de produzir mais democracia, se os partidos entenderem que incluir os excluídos é sempre uma forma de evitar a radicalização da política de protesto.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.