[weglot_switcher]

105,6 milhões de euros de prejuízos em 2019 transformam TAP num “barril de pólvora”

A situação na TAP, segundo referiram ao Jornal Económico fontes da empresa, “é um verdadeiro barril de pólvora, porque voltou a viver um aumento de tensões entre acionistas e entre a tutela estatal e a gestão executiva, em questões que são do manifesto desagrado da Comissão de Trabalhadores”.
  • TAP Portugal
20 Fevereiro 2020, 10h09

A TAP voltou a apresentar resultados líquidos negativos no exercício de 2019, com o seu grupo a atingir os 105,6 milhões de euros negativos – entre os quais se destacam os prejuízos da TAP S.A., que ascenderam, só por si, a 95,6 milhões de euros negativos, segundo o comunicado disponível na Comissão do Mercado de Valores Mobiliários.

Isto faz com que a empresa gerida por Antonoaldo Neves se tenha aproximando-se novamente dos prejuízos de 118 milhões de euros que marcaram o fraco desempenho da companhia em 2018, o que segundo fontes da TAP, “aumentou as tensões dentro da empresa, transformando-a num verdadeiro barril de pólvora”.

A gestão executiva de Antonoaldo Neves, os acionistas privados David Neeleman e Humberto Pedrosa, o acionista Estado – a Parpública -, a tulela governamental, através do ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, e a Comissão de Trabalhadores da TAP, já manifestaram publicamente divergências sobre os assuntos mais polémicos na companhia. Tudo junto, promete que o primeiro semestre de 2020 vão venha a ser menos agitado.

Embora o ano de 2019 tenha sido marcado pelo investimento acrescido no respetivo processo de renovação da frota de aviões, que ultrapassou os 1,5 mil milhões de euros com a entrada de 30 novos aparelhos a operarem as rotas da transportadora aérea portuguesa, a verdade é que as expectativas de recuperação das contas da TAP e do seu grupo foram goradas. Também é verdade que o seu acionista dominante – a Parpública –, tinha manifestado receios públicos sobre a evolução da TAP, e que o segundo semestre de 2019 veio a mostrar-se no conjunto da atividade, mais equilibrado e menos desfavorável.

A favor da gestão de Antonoaldo Neves está o esforço de investimento que a TAP realizou em 2019 para receber 30 novos aviões, renovando cerca de 70% da frota de longo curso num período de 12 meses, o que permitiu à TAP concluir 2019 com uma das frotas mais jovens entre as principais companhias concorrentes, ter inaugurado onze rotas que mantém em operação e ter contratado 900 trabalhadores para dar resposta às solicitações dos clientes das novas rotas.

Do lado do contributo que a TAP faz para as contas do Estado, os seus novos investimentos permitiram fazer crescer em cerca de 28% os impostos pagos, à razão de mais 71 milhões de euros anuais ao longo dos últimos quatro anos. Também de forma positiva para a TAP está o facto de ter criado mais 2000 postos de trabalho nos últimos quatro anos, o que fez subir para 10.617 o número de trabalhadores que emprega.

TAP diz que melhorou satisfação do cliente

Contrariando as críticas em matéria de má pontualidade, a TAP diz que no ano passado melhorou em 45% a satisfação do cliente e conseguiu ter menos 1400 voos cancelados que em 2018, queixando-se dos casos de falta de pontualidade através do “alibi” do congestionamento do espaço aéreo e dos problemas e constrangimentos vividos no aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, relativamente ao qual alega que o custo da ineficiência da Portela penalizou a TAP em mais de 30 milhões de euros em 2019, em que transportou mais de 17 milhões de passageiros.

Finalmente, a melhoria da atividade da empresa de manutenção ME Brasil possibilita, pela primeira vez, apresentar um EBITDAR positivo, com contributos para as contas do Grupo TAP da ordem dos 3,1 milhões de euros. A grande coroa de glória da gestão de Antonoaldo Neves em 2019 é ter conseguido apresentar um resultado operacional que passa de um prejuízo de 44 milhões de euros em 2018 para um nível positivo de 58,6 milhões de euros no ano passado, segundo dados da TAP.

De resto, o EBITDAR atingiu 522,9 milhões de euros em 2019 (um aumento de 327,1 milhões de euros ou mais 167,1% YoY) e o resultado operacional (EBIT) ficou-se nos 47,2 milhões de euros, um aumento de 74,1 milhões de euros quando comparado com o ano anterior, segundo informação da TAP.

Sobre a estratégia de renovação e expansão da frota da TAP, em 2019 houve 30 aviões Airbus de última geração da família NEO que entraram em operação, permitindo à TAP a expansão para onze novos mercados, dos quais se destacam o início das operações no Médio Oriente (Tel Aviv), a expansão nos EUA, com o contributo das novas rotas que começaram em junho (São Francisco, Chicago e Washington) e as novas rotas em África (Conacri e Banjul).

Bateu ainda um número recorde de passageiros transportados em 2019, atingindo 17,1 milhões (mais 8,2% YoY), o que segundo a TAP evidencia uma estratégia de diversificação bem sucedida, com o mercado norte-americano a representar já 14% das receitas de passagens, um aumento de três pontos percentuais quando comparado com 2018 e de oito pontos percentuais face a 2015, refere a TAP.

O total de receitas operacionais aumentou em 121,5 milhões de euros em 2019 (mais 3,8% YoY) para 3.298,8 milhões de euros, com as receitas de passageiros a aumentarem 131,6 milhões de euros (mais 4,7%) para 2,91 mil milhões de euros, em resultado do aumento das receitas operacionais no segundo semestre de 2019, adianta a TAP. As receitas de passagens das rotas da américa do norte e das rotas domésticas (continente e ilhas), aumentaram 33,4% e 13,2% respetivamente, em comparação com o ano anterior, diz a TAP.

“A companhia registou igualmente um decréscimo dos custos operacionais unitários totais por ASK (CASK) que registaram uma queda de 7,2% YoY”, explica a TAP, além de ter registado um “decréscimo dos custos unitários com combustível. O CASK fuel decresceu 9,6% em 2019, refletindo uma maior eficiência dos novos aviões, um custo mais baixo do jet fuel quando comparado com o ano anterior”, adianta a TAP.

O lado mais desfavorável das contas de 2019 está no “resultado líquido do ano na TAP, S.A., que foi negativo em 95,6 milhões de euros, ou seja, com um agravamento de 37,6 milhões de euros face ao ano anterior, em resultado do investimento na renovação da frota” – diz a TAP – “sendo os custos relacionados com o processo de transformação da frota de aproximadamente 55 milhões de euros”, adianta.

A empresa informa ainda que a 6 de fevereiro de 2020 a TAP formalizou um acordo de cooperação comercial (Acordo de Cooperação) com a Azul Linhas Aéreas Brasileiras S.A. Este Acordo de Cooperação “tem por objetivo estabelecer um modelo de cooperação comercial entre a TAP e a Azul, comummente usado na indústria da aviação, para prestar serviços de transporte aéreo conjuntos, aumentando a eficiência e a diversidade de produtos e serviços que são disponibilizados aos passageiros, nomeadamente em termos de frequências, horários disponíveis e número de origens e destinos servidos em combinação”, refere a TAP.”

“Este Acordo de Cooperação não implica qualquer alteração acionista ao nível da TAP ou da Azul”, adianta, esclarecendo que “a implementação do Acordo de Cooperação fica condicionada à obtenção das autorizações e/ou não oposição e realização das comunicações necessárias junto das autoridades de regulação e da concorrência competentes”.

Ainda, a 12 de fevereiro de 2020, a TAP informa que “efetuou uma amortização referente a um financiamento com um sindicato de bancos portugueses no montante de 158,6 milhões de euros”, amortizando “desde o início de 2019 um total de 322,2 milhões de euros, referente a este financiamento, sendo o montante remanescente atualmente em dívida de 142 milhões de euros”.

“Barril de pólvora”

Mas a situação na TAP, segundo referiram ao Jornal Económico fontes da empresa, “é um verdadeiro barril de pólvora, porque voltou a viver um aumento de tensões entre acionistas e entre a tutela estatal e a gestão executiva, em questões que são do manifesto desagrado da Comissão de Trabalhadores”.

Do lado do Governo, o ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, já reagiu contra declarações públicas do acionista de referência, David Neeleman, que voltaram a lançar o mal-estar sobre a questão do pagamento de prémios a alguns quadros, num momento em que as contas da companhia derrapam novamente no vermelho.

A Agência Lusa reproduziu as palavras de Pedro Nuno Santos: “Foi dito à TAP que não permitiremos a atribuição de prémios”. Esta reação surge em resposta às declarações de David Neeleman, que garantiu que “pagámos prémios e vamos continuar a pagar prémios”.

Além do ministro Pedro Nuno Santos, as declarações de David Neeleman foram mal recebidas entre os trabalhadores da transportadora, precisamente o que Cristina Carrilho, coordenadora da Comissão de Trabalhadores da TAP, já fez questão de deixar claro, lamentando que que os prémios só sejam atribuídos à administração e aos elementos das direções, porque a verdade é que são os trabalhadores que permitem cumprir objetivos que possam estar na origem da atribuição dos referidos prémios.

Cristina Carrilho recordou novamente a situação laboral na empresa e a necessidade de aumentos salariais, que não são concretizados, ao contrário do pagamento de prémios aos quadros. Mais. A Comissão de Trabalhadores vincou o facto de ser contra a atribuição de prémios, em virtude da situação “muito deficitária” da TAP.

Pior ainda. O responsável executivo da TAP, Antonoaldo Neves, alimentou publicamente a discussão sobre a situação crítica vivida no aeroporto de Lisboa. Numa recente entrevista ao jornal espanhol “El País”, Antonoaldo Neves comenta o projeto de expansão do aeroporto da Portela sustentado pelos franceses da Vinci – detentores da concessão dos aeroportos da ANA – e diz que”“só favorece 20% dos movimentos”.

Antonoaldo Neves defendeu nessa entrevista que a TAP “ofereceu uma solução que favorecia 100% dos movimentos, mas a Vinci não quis. Propusemos pagar a obra, mas a Vinci também não quis”. Em cima da divulgação dos prejuízos da TAP em 2019, Antonoaldo Neves abriu uma nova guerra contra a ANA, levando o seu presidente, José Luís Arnaut, a desmentir as palavras do presidente executivo da TAP relativamente ao financiamento do aeroporto Humberto Delgado. Arnaut disparou: “Nunca se viu uma empresa pública deficitária a financiar uma empresa privada lucrativa”. Aliás, o presidente da ANA recordou que não foi esta “a primeira vez que o CEO da TAP utiliza a ANA como bode expiatório para tentar justificar os resultados da sua gestão”, desmentindo que “alguma vez tenha havido qualquer proposta de financiamento das infraestruturas por parte da TAP”.

O próprio presidente da holding estatal Parpública, Miguel Cruz, tinha reconhecido, “com grande preocupação”, que acompanha os resultados da TAP. A Parpública detém 50% do capital da TAP e já tinha manifestado preocupação quando os prejuízos do Grupo TAP se agravaram no primeiro semestre de 2019, aumentando para 119,7 milhões de euros, face aos 90 milhões de euros negativos registados no período homólogo de 2018. Porém,  a TAP não é objeto de consolidação integral porque a holding estatal Parpública não dispõe de controlo de gestão. Miguel Cruz disse na altura que os resultados da TAP tinham ficado “aquém” do esperado, sobretudo porque ocorreram após um exercício em que a empresa já tinha apresentado um prejuízo de semelhante.

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.