A cimeira do Conselho Europeu ocorrida no final da passada semana ficará registada, entre outras coisas, por ter resolvido o problema da escolha do novo Presidente da instituição. Numa altura em que se perfilavam vários (putativos) interessados no cargo, desde hipóteses mais consistentes a outras sem qualquer plausibilidade – como seria o caso do atual Presidente francês François Hollande –, a tarefa de escolher o sucessor de Donald Tusk não se afigurava missão fácil. Há dois anos e meio, quando foi eleito pela primeira vez, o ex-primeiro-ministro polaco surgiu como um candidato de baixo perfil, escolhido mais em função da sua origem partidária (era proveniente de um partido que integrava o Partido Popular Europeu) do que dos seus méritos reconhecidos ou da sua militância pela causa europeia.
Tolerado pela chanceler Merkel, não evitou alguma desconfiança – não suficiente, todavia, para lhe retirar o benefício da dúvida que o impedisse de ser eleito para presidir à principal instituição intergovernamental da União Europeia. O seu mandato acabou por suprir muitas das reservas que lhe foram inicialmente colocadas e lhe conferir um capital político próprio que se veio a revelar determinante para o seu futuro político. Avesso a grandes mediatismos, empenhado em fazer efetivas pontes entre interesses contraditórios frequentemente patentes no Conselho Europeu, partidário de consensos mesmo quando os mesmos se mostravam quase impossíveis, Donald Tusk acabou por granjear pontos suficientes para, na hora da sua sucessão, ter uma palavra a dizer sobre a mesma.
Foi assim que, no primeiro dia da última cimeira, os líderes europeus acabaram por o reconduzir nas suas funções para mais um mandato de dois anos e meio, com o voto favorável de 27 dos 28 Estados-Membros da União – maioria mais que suficiente para concretizar uma eleição que dispensa a unanimidade do voto dos Estados do Conselho Europeu.
A particularidade desta eleição, todavia, prendeu-se com a origem do único voto contra que a candidatura de Donald Tusk suscitou. Foi a sua Polónia nata. A Polónia a cujo governo presidiu entre 2007 e 2014 que, liderada hoje por um governo da extrema-direita chefiado por Beata Szydlo, se opôs à reeleição do seu compatriota Tusk, apresentando como candidato alternativo o eurodeputado Jacek Saryusz-Wolski. A manobra divisionista não surtiu efeito – e Tusk acabou por conseguir a sua reeleição, ainda que contra o voto do seu próprio País! De certa forma, a Polónia repetiu, na eleição do Presidente do Conselho Europeu, o erro cometido pela Bulgária, em Setembro do ano passado, aquando da eleição de António Guterres para Secretário-Geral da ONU.
Ficou claro e demonstrado, uma vez mais, que a transposição de assuntos e quezílias da política doméstica dos Estados para o âmbito das organizações internacionais, não paga nem compensa. A Bulgária saiu-se mal com esse expediente em Washington; a Polónia repetiu o erro e deu-se mal com ele em Bruxelas.
Este caso polaco, porém, assume contornos que não podem deixar de merecer uma reflexão. A Polónia tem aspirado, com frequência, a desempenhar um papel de maior protagonismo no quadro da União Europeia, como o mais pequeno dos Estados grandes ou o maior dos médios Estados da União. A essa aspiração tem avançado com promissores dados e indicadores económicos e sociais frequentemente invocados para sustentarem a referida ambição. Todavia, no momento em que tem a possibilidade de firmar essa sua condição, Varsóvia desperdiça-a por completo, deixando que questões de política interna minem e fragilizem a sua própria posição no quadro europeu.
Se o atual governo polaco já se colocava numa postura eurocética, após o sucedido com a reeleição de Donald Tusk, a mesma acentuou-se com as declarações do ministro dos Negócios Estrangeiros, Witold Waszczykowski, que logo proclamou a “duplicidade” política da União Europeia – o que não poderia deixar de ter como consequência uma alteração da postura polaca no quadro da União. Ou seja, em lugar de assumir o seu erro evidente, de deixar contaminar decisões tomadas no plano europeu por questiúnculas de política interna, Varsóvia optou por se barricar na crítica à União Europeia e às suas instituições.
Volvidos 13 anos sobre o mega alargamento comunitário que aumentou o número de Estados-membros da União de 15 para 25 – e que hoje é, pacificamente, tido como um dos grandes erros cometidos pela União ao longo da sua história –, torna-se evidente que houve Estados que não perceberam na sua plenitude o alcance e o significado dessa adesão. O drama é que, 13 anos depois, parece haver quem teime em não compreender esse significado.