A vida política, quer nacional quer internacional, tem caminhos e desígnios que, mui­tas vezes, têm de se considerar verdadeiramente insondáveis! A eleição, na passada se­gunda-feira, de Mário Centeno para presidir ao Eurogrupo deve ser tido, inequivoca­mente, como um desses exemplos.

Mário Centeno ganhou projeção na vida política nacional quando apareceu como o ideólogo da via alternativa da oposição ao governo austeritário que quis ir além da própria troika. Preconizou a recuperação económica do país através da reversão de uma série de medidas legislativas tomadas na legislatura anterior, apostando na reposição de rendimentos como premissa para o crescimento económico e o alcance das metas impostas pela ortodoxia de Bruxelas – a qual, invariavelmente, era criticada e personificada na figura singular de um holandês de nome impronunciável e de péssima opinião sobre os hábitos dos povos do sul.

As eleições legislativas que permitiram a emergência da geringonça fizeram com que Centeno deixasse de ser apenas o teórico da oposição para passar a ser o rosto da nova política financeira do país. Ao fim de dois exercícios orçamentais, Portugal ficou a perceber que, de facto, existia outro caminho e outra política para a obtenção dos resultados económicos e financeiros que eram buscados. Não era exatamente com as propostas formuladas enquanto o novo poder tinha sido oposição; mas era, reconheçamo-lo, com uma matriz significativamente diferente daquela que, tinham-no dito, havia sido imposta pela troika. E esse sucesso visível – se sustentável ou não, a seu tempo se saberá… – catapultou Centeno para as luzes da ribalta europeia. Em dois anos, saiu do anonimato político europeu para a atenção mediática europeia. É obra, convenhamos.

Essa ascensão meteórica permitiu a sua eleição para a presidência do Eurogrupo, que, recorde-se, não sendo uma instituição prevista nos tratados fundacionais da União Europeia, não deixou de ser, por ocasião da última crise económico-financeira e das dívidas públicas soberanas que a Europa e o mundo conheceram, o mais importante e determinante centro do poder na e da União – o derradeiro guardião da ortodoxia económica, financeira, monetária e orçamental que Bruxelas preconizou, advogou e impôs aos seus Estados-membros que maiores dificuldades denotavam.

Pois bem, é justamente a este Eurogrupo que, a partir de janeiro próximo, Mário Centeno vai presidir – Centeno que, recorde-se e repita-se, saiu da sombra criticando o austeritarismo, subiu ao poder para aplicar um outro tipo de “austeritarismo”, made in geringonça, e agora é escolhido para presidir ao bastião das políticas austeritárias da União Europeia. Verdadeiramente insondáveis são, pois, os caminhos da política internacional!

Como não creio, por uma questão desde logo de respeito intelectual, que Centeno almeje conseguir reverter, por si só e pela sua intervenção pessoal, os princípios que têm presidido à atuação do Eurogrupo, a única conclusão possível de tirar desta eleição é que, no fundo, Mário Centeno se acha comprometido com os desideratos últimos da política económica, financeira e monetária que a UE tem preconizado, pese embora admita que possa ter alguma discordância pontual quanto aos caminhos que têm sido trilhados para alcançar esses mesmos objetivos.

Se assim for, isso é uma boa notícia. Desde logo para a União Europeia; mas também e particularmente para Portugal. Aguardemos, pois, para avaliar o que nos irá dar esta nova presidência. Se a aposta tiver por premissa a conclusão da UEM e o aprofundamento da integração económica e monetária da União, temperada com a necessária dose de sensibilidade social, poderemos dizer que estaremos no caminho certo. Também aqui, só o tempo nos dará a resposta final.

Dito isto, duas notas finais se impõem.

A primeira sobre a questão que tem dividido opinadores e comentadores de saber se será, ou não, positivo para Portugal ter um seu nacional a ocupar a presidência do Eurogrupo. A resposta afigura-se-me óbvia e evidente. Sou dos que pensam e acreditam que, sempre e em qualquer circunstância, quando se abre uma vaga numa qualquer organização internacional, é preferível que ela seja ocupada por um português do que por um nacional de um qualquer outro país. Sempre!

A segunda, para deixar, uma vez mais, um cumprimento sincero à diplomacia portuguesa que, mais uma vez, conseguiu colocar um português num cargo de relevo internacional. Só no que levamos deste século, e depois de termos tido um português a presidir à 50ª Assembleia Geral das Nações Unidas no final do século passado, já tivemos um Presidente da Comissão Europeia, um Vice-Presidente do Banco Central Europeu, um Secretário-Geral das Nações Unidas e, agora, um Presidente do Eurogrupo.

Sem receio de desmentido ou contradita, nenhum outro país do mundo, de peso relativo semelhante a Portugal, conseguiu concentrar em nacionais seus tanto poder em tão pouco tempo. Nessa verdadeira balança de poderes, somos claramente dos melhores e dos primeiros. E isso é, inquestionavelmente, obra da nossa diplomacia. Da qual nos devemos orgulhar, e que muito contribui para a projeção externa do nome, da imagem e do papel de Portugal.