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Personalidades JE: António Arnaut – O ‘Pai’ do Serviço Nacional de Saúde

O Serviço Nacional de Saúde, criado por António Arnaut, consagrou o direito à proteção da saúde a todos os cidadãos, qualquer que seja a sua condição económica e social, e em 2018 implicou uma despesa por habitante, segundo dados do INE e da Pordata, de 1.051,8 euros, envolvendo um gasto total com os seus médicos, enfermeiros e restantes funcionários de 10,293 mil milhões de euros.
4 Outubro 2020, 11h00

O Jornal Económico escolheu 30 personalidades dos últimos 25 anos que marcaram, pela positiva e pela negativa, a atual sociedade portuguesa: políticos, empresários, gestores, economistas e personalidades da sociedade civil. A metodologia usada para compilar as Personalidades JE está explicada no final do texto.

Quando António Duarte Arnaut morreu, a 21 de maio de 2018, não lhe foram poupados elogios por ter criado o Serviço Nacional de Saúde (SNS). No entanto, também surgiram detratores argumentando que Arnaut apenas tinha assinado o despacho ministerial que permitiu o acesso de todos os cidadãos aos serviços médico-sociais, independentemente da sua capacidade contributiva, pelo que o SNS tinha resultado verdadeiramente dos desenvolvimentos que lhe foram dados nos anos seguintes, por sucessivos governos. A verdade é que ninguém tira ao advogado, antigo Grão-Mestre do GOL – Grande Oriente Lusitano, o mérito de ter lançado a iniciativa da universalidade, da generalidade e da gratuitidade dos cuidados de saúde, com a respetiva comparticipação medicamentosa.

Pela morte de António Arnaut, o então ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, elogiou-o enquanto “pai do SNS”, na altura em que foi ministro dos Assuntos Sociais, Saúde e Segurança Social do II Governo Constitucional, de coligação PS-CDS. E Arnaut assim manteve para a posteridade o título da paternidade do serviço público de saúde. O “Despacho Arnaut” – como ficou conhecido o despacho ministerial publicado em Diário da República, na 2ª Série, de 29 de julho de 1978 – antecipou efetivamente o que viria a ser o SNS. Um ano e dois meses depois, foi publicada, em Diário da República, a 15 de setembro, a Lei n.º 56/79, que criou o SNS, no Governo de Maria de Lurdes Pintasilgo. Este Governo terminou poucos meses depois da aprovação da Lei 56/79 que, em Portugal, consagrou o direito à proteção da saúde a todos os cidadãos, qualquer que seja a sua condição económica e social.

António Arnaut foi distinguido em vida com a Medalha de Ouro de Serviços Distintos do Ministério da Saúde, em 2014, na cerimónia oficial de comemoração dos 35 anos do SNS. A 15 de setembro de 2016 foi descerrado um busto de Arnaut pelo primeiro ministro, António Costa, no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, durante as celebrações do 37º aniversário do SNS.

Oposição a Salazar. Apoio a Delgado

Licenciado em Direito por Coimbra, em 1959, sempre manteve uma ativa participação política de oposição ao regime de António de Oliveira Salazar. Participou na Comissão Distrital da candidatura presidencial de Humberto Delgado em 1958 e foi arguido no processo da carta dos católicos a Salazar, em 1959, tendo sido candidato nas Legislativas de 1969, à Assembleia Nacional, pela CDE – Comissão Democrática Eleitoral, no Círculo de Coimbra.

Militante da Ação Socialista Portuguesa desde 1965, foi cofundador do Partido Socialista em 1973, na cidade alemã de Bad Münstereifel e permaneceu como seu dirigente até 1983. Na Ordem dos Advogados foi presidente do Conselho Distrital de Coimbra e em 2007 recebeu a Medalha de Honra da Ordem dos Advogados. Foi igualmente um dos fundadores do Círculo Cultural Miguel Torga. Em 1995 fundou a Associação Portuguesa de Escritores Juristas. Foi vogal do Conselho Superior da Magistratura.

Na atual conjuntura da pandemia da Covid-19 a capacidade do SNS tem sido constantemente posta à prova para situações nunca antes previstas e a verdade é que o SNS tem sido capaz de se adaptar aos súbitos problemas com que é permanentemente confrontado, mobilizando profissionais que enfrentam a primeira frente de ataque ao Covid-19 nos hospitais consagrados para este efeito – conforme tem sido reconhecido pelos especialistas da Escola Nacional de Saúde Pública.

É certo que no final de setembro de 2020 surgiu a polémica política de saber se há suficientes médicos no SNS. A este respeito, a ministra da Saúde, Marta Temido, explicou que os concursos para colocação de especialistas estão atrasados, embora a ministra tenha negado que haja menos médicos no SNS, argumentando “há mais médicos neste momento do que no final de 2019”.

Os hospitais do SNS têm recebido os casos de Covid que os restantes hospitais não atendem, enfraquecendo assim a capacidade de resposta do SNS aos doentes não covid – é conhecido o aumento dos prazos de intervenção para tratamentos, consultas e cirurgias, entre outros – o que seria inevitável atendendo à prioridade da alocação dos recursos médicos e hospitalares ao tratamento dos doentes com Covid, que enfrentam um problema de saúde pública para o qual as infraestruturas hospitalares e os seus recursos humanos nunca tinham sido preparadas, exigindo a cooperação entre unidades públicas e privadas.

Falta a interoperabilidade das informações sobre pacientes

A conclusão que os médicos podem retirar é que o sistema de saúde português (onde se encontram meios públicos, privados e cooperativos) exigirá uma rápida interoperabilidade das informações sobre os pacientes e, eventualmente, um processo eletrónico único que permita monitorizar a situação clínica dos pacientes. Quem sabe se essa será a próxima evolução a dar ao SNS criado por António Arnaut?

Nos últimos 40 anos, apesar de todas as fragilidades que continua a ter, o SNS criado por António Arnaut reduziu muitas desigualdades na sociedade portuguesa, sabendo-se que o SNS tenha resultado do trabalho posteriormente desenvolvido pelos sucessivos governos, em especial por governos da coligação AD. Cumpre recordar que nos 15 anos seguintes à criação do SNS foram desenvolvidos os Cuidados de Saúde Primários, pela Portaria 444-A/80, que regulamentou a carreira de generalista e o exercício das funções de Clínica Geral.

Em 1981 foi constituído o Internato de Especialidade de Generalista, os Institutos de Clínica Geral. A seguir, o decreto-lei 310/82 regulamentou as carreiras médicas, definindo o perfil do médico de Clínica Geral, enquanto o decreto-lei 254/82 criou as Administrações Regionais de Saúde (ARS) para coordenarem a gestão regional do SNS.

Em 1982 foi lançado o Internato Complementar de Clínica Geral e o Colégio de Clínica Geral da Ordem dos Médicos. Em 1983, com o Governo da AD de Francisco Pinto Balsemão, foram criados os Centros de Saúde de Segunda Geração, resultantes da fusão das Caixas de Previdência com os Centros de Saúde de Primeira Geração. Os Centros de Saúde passaram a ser organizados como unidades integradas de saúde.

Em 1990 foi lançada a especialidade de Medicina Geral e Familiar (MGF). O decreto-lei das carreiras médicas – 73/90 – criou as 42 horas com exclusividade, fixando os médicos no SNS. E a Lei de Bases da Saúde – a 48/90 – foi aprovada em 1990. E em 1993, o decreto-Lei 11/93 definiu o Estatuto do SNS.

Augusto Mateus defende uma reforma no SNS

Recentemente, o antigo ministro da Economia e consultor estratégico, Augusto Mateus, defendeu que o Serviço Nacional de Saúde deve ser sujeito a uma reforma, considerando igualmente que a saúde em Portugal precisa de ter uma programação financeira plurianual por períodos de seis anos. Estas duas sugestões constam no estudo sobre “Organização e Financiamento do Sistema de Saúde em Portugal”, onde é proposta a “reforma do SNS” com base em 44 recomendações.

Augusto Mateus sugere a consagração à Saúde de “uma programação financeira plurianual, desejavelmente de seis anos, para o sistema assegurar a continuidade” e, sobretudo, para “melhorar” o modelo de financiamento. Também propõe a “criação de um instituto gestor do SNS”, que “aumente a eficiência” do sistema. Entre as 44 recomendações, também sugeriu a “possibilidade de consignar algumas receitas atuais (por exemplo, o imposto sobre tabaco) ao orçamento da saúde, à semelhança do que ocorre noutros países”.

O planeamento financeiro a seis anos (que é a 34ª recomendação do estudo de Augusto Mateus) e a criação de um instituto autónomo (proposto na sétima recomendação) para fazer a gestão do sistema de saúde, foram consideradas “propostas louváveis” por especialistas em saúde, sendo reconhecidas como medidas relevantes por Fernando Araújo, presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar Universitário São João, por Jorge Moreira da Silva, responsável da Direção de Cooperação para o Desenvolvimento da OCDE e por Óscar Gaspar, presidente da Associação Portuguesa de Hospitalização Privada.

12,22 milhões de pacientes observados em 2018

Segundo a Pordata, em 2018 o SNS integrava 77 hospitais gerais e 23 hospitais especializados. Em 2012 contava com 357 centros de saúde e em 2011 com 1.063 extensões de centros de saúde. Em 2019 o Estado gastou em medicamentos no SNS um total de 1.327,2 milhões de euros e os utentes gastaram 733 milhões de euros. Em 2018 o SNS registou a observação de 12,22 milhões de pacientes em consultas de hospitais, 836 mil internamentos e 6,14 milhões de pacientes tratados em urgências. Em 2018, o SNS registou 69,2 mil partos nos centros de saúde e hospitais do SNS no continente, contra 68,6 mil partos registados no ano anterior. Desde 1985, o número máximo de partos registado pelo SNS em centros de saúde e hospitais do SNS no continente ocorreu em 2000 com 106 mil partos. O gasto médio por pessoa no SNS (a despesa do SNS por habitante, segundo dados do INE e da Pordata) foi de 1.051,8 euros em 2018. Também em 2018, o SNS gastou com os seus médicos, enfermeiros e restantes funcionários um total de 10,293 mil milhões de euros.

METODOLOGIA

O Jornal Económico (JE) selecionou as 30 personalidades mais relevantes para Portugal nos últimos 25 anos – referentes ao período balizado entre 1995 e 2020 –, destacando as que exerceram maior influência no desenvolvimento da sociedade civil, da economia nacional, no crescimento internacional dos nossos grupos empresariais, na forma como evoluíram a diáspora lusa e as comunidades de língua oficial portuguesa, no processo de captação de investidores estrangeiros e, em suma, na maneira como o país se afirmou no mundo. Trata-se de uma lista em que não figuram artistas, profissionais do desporto ou músicos, concentrando-se nas áreas em que o Jornal Económico está focado, e que são, essencialmente, a economia, a gestão empresarial, a formação académica, os mercados financeiros e a área jurídica. A lista inicial foi publicada a 4 de setembro de 2020 no âmbito do 25º aniversário do portal Sapo. Retomando a mesma iniciativa, mas alargada a 30 personalidades, o JE publicará, todos os sábados e domingos, textos sobre as 30 personalidades selecionadas, por ordem decrescente. Aos 25 nomes inicialmente publicados, o JE acrescentou os nomes de António Ramalho Eanes, António Guterres, Pedro Queiroz Pereira, Vasco de Mello e Rui Nabeiro.

Cumpre explicar ao leitor que a metodologia seguida foi orientada por critérios jornalísticos, sem privilegiar personalidades eminentemente políticas, que tendem a ter um destaque mediático maior do que o que é dado aos empresários, aos economistas, aos gestores e aos juristas, mas também sem ignorar os políticos que foram determinantes na sociedade durante o último quarto de século. Também não foram ignoradas as personalidades que, tendo falecido pouco antes de 1995, não deixaram de ter impacto económico, social, cultural, científico e político até 2020, como é o caso de José Azeredo Perdigão e da obra que construiu durante toda a sua longa vida – a Fundação Calouste Gulbenkian.

O ranking é iniciado pelos líderes históricos de cinco grupos empresariais portugueses, com Alexandre Soares dos Santos em primeiro lugar, distinguido como grande empregador na área da distribuição alimentar, e por ter fomentado a internacionalização do seu grupo em geografias como a Polónia – com a marca “Biedronka” (Joaninha) – e a Colômbia, e uma intensa atividade desenvolvida pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, entre a qual se destaca a Pordata, a base de dados de Portugal Contemporâneo. Assegurou igualmente a passagem de testemunho ao seu filho Pedro Soares dos Santos. O Grupo Jerónimo Martins tem vindo a incentivar a utilização de recursos marinhos, pelo aumento da produção portuguesa de aquacultura no mar da Madeira – note-se que apesar de vários economistas terem destacado a importância da plataforma marítima portuguesa como fonte de riqueza, poucos empresários têm apoiado projetos nesta área, sendo o grupo liderado por Soares dos Santos um dos casos que não descurou o potencial do mar português.

Segue-se em 2º lugar Américo Amorim, que além do seu império da cortiça – o único sector em que Portugal conquistou a liderança mundial –, foi um empresário que se destacou no mundo da energia e nos petróleos, assegurando a continuidade do controlo familiar dos seus negócios através das suas filhas. Belmiro de Azevedo aparece em terceiro lugar, consolidando a atividade da sua Sonae, bem como a participação no competitivo mundo das telecomunicações e o desenvolvimento do seu grupo de distribuição alimentar, com testemunho passado à sua filha, Cláudia Azevedo.

Em quatro lugar está António Champalimaud e a obra que o “capitão da indústria” deixou, na consolidação bancária, enquanto acionista do Grupo Santander – um dos maiores da Europa –, mas também ao nível da investigação desenvolvida na área da saúde, na Fundação Champalimaud. Em quinto lugar surge Francisco Pinto Balsemão que centrou a sua vida empresarial na construção de um grupo de comunicação com plataformas integradas e posições sólidas na liderança da imprensa e da televisão durante o último quarto de século.

Os políticos aparecem entre as individualidades seguintes, liderados por Mário Soares (que surge em 6º lugar). António Ramalho Eanes está em 7º lugar, António Guterres em 8º, seguindo-se Marcelo Rebelo de Sousa (9º), António Costa (10º), José Eduardo dos Santos (11º) – pelo peso que os elementos da sua família tiveram na economia portuguesa, sobretudo a sua filha Isabel dos Santos, e pelos investimentos concretizados em Portugal pelo conjunto de políticos e empresários angolanos próximos ao ex-presidente de Angola, atualmente questionados, na sua maioria, pela justiça angolana – e Aníbal Cavaco Silva (12º). Jorge Sampaio surge em 13º, seguido por Mário Centeno (14º), José de Azeredo Perdigão (15º), António Luciano de Sousa Franco (16º), Pedro Passos Coelho (17º), Álvaro Cunhal (18º), Ernesto Melo Antunes (19º), Luís Mira Amaral (20º), Pedro Queiroz Pereira (21º), Vasco de Mello (22º), Ricardo Salgado (23º), José Socrates (24º), Ernâni Rodrigues Lopes (25º), Francisco Murteira Nabo (26º), Rui Nabeiro (27º), Leonor Beleza (28º), António Arnaut (29º) e Joana de Barros Baptista (30º). Os últimos três são transversais à sociedade portuguesa e representam o desenvolvimento que Portugal deu às áreas da Segurança Social, da Saúde e da Igualdade de Género.

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