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Parecer sobre incompatibilidades foi publicado na página do Ministério Público

Após notícias na comunicação social sobre negócios entre governantes e empresas de familiares, António Costa decidiu hoje homologar o parecer do Conselho Consultivo da PGR sobre incompatibilidades e impedimentos de políticos
20 Setembro 2019, 22h07

O parecer pedido pelo Governo à Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre incompatibilidades entre governantes e negócios com empresas de familiares foi hoje publicado ao início da noite no ‘site’ do Ministério Público (MP).

A PGR divulgou na quinta-feira, 19 de setembro, que já tinha enviado o parecer ao primeiro-ministro e António Costa decidiu hoje homologar o parecer do Conselho Consultivo da PGR sobre incompatibilidades e impedimentos de políticos, no qual se recusam interpretações estritamente literais – e até inconstitucionais – das normas jurídicas.

Após notícias na comunicação social sobre negócios entre governantes e empresas de familiares, António Costa pediu, a 30 de julho, um parecer ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República para “completo esclarecimento” sobre os impedimentos de empresas em que familiares de titulares de cargos políticos tenham participação superior a 10% do capital.

A publicação do parecer já tinha sido solicitada pelo líder do PSD, Rui Rio, que disse esperar que o Governo não levasse 15 dias para falar sobre o documento, e também pela associação Transparência e Integridade.

O parecer foi aprovado por unanimidade pelo Conselho Consultivo da PGR em matéria de interpretação de regime de incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos.

O parecer, na perspetiva do primeiro-ministro, “responde de modo inequívoco às questões que havia colocado”, considerando o Conselho Consultivo da PGR que “as normas jurídicas não podem ser interpretadas de forma estritamente literal, devendo antes atender-se aos demais critérios de interpretação jurídica, entre os quais avulta a determinação da vontade do legislador”.

A este respeito o Conselho Consultivo da PGR recorda, citando doutrina e jurisprudência consolidadas no ordenamento jurídico português, que, na interpretação das leis, “o intérprete não deve limitar-se a extrair de modo mecânico o sentido aparente e imediato que resulta da conexão verbal, antes deve indagar com profundeza o pensamento legislativo”.

“Acrescenta ainda que, mais do que uma obediência cega ao comando verbal da lei, pretende o legislador uma obediência ao conteúdo essencial da sua vontade, fixado sobretudo através dos fins ou objetivos por ele visados”, refere-se ainda em reforço da tese sobre a não interpretação literal das normas jurídicas em causa.

Ou seja, na interpretação da norma em causa sobre o regime de incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, o gabinete do primeiro-ministro salienta que o Conselho Consultivo da PGR entende que “há que considerar, entre outros elementos, qual foi o pensamento e o intuito do legislador”.

“E, de acordo com a mente do legislador, importa distinguir duas situações: quando está em causa o próprio titular ou a empresa que detém em percentagem superior a 10%; e quando o impedimento se reporta às pessoas com quem mantém relações familiares ou de vivência em comum e às respetivas empresas”.

Em suma, na primeira situação, relativa a contratos celebrados com o próprio titular de cargo político ou com empresa por si participada, o Conselho Consultivo conclui que “o impedimento deve ser interpretado e aplicado nos termos que constam da letra da lei”.

Já na segunda situação, relativa a contratos celebrados com familiares do titular de cargo político ou com empresas por eles participadas, “deve entender-se que o impedimento não abrange os contratos celebrados com toda e qualquer entidade pública, mas apenas os contratos celebrados com entidades que estão sob algum tipo de dependência face ao titular de cargo político”, assinala o gabinete do primeiro-ministro, aludindo igualmente à posição do Conselho Consultivo da PGR.

No parecer do Conselho Consultivo da PGR considera-se que, nestes casos relativos a contratos celebrados com familiares do titular de cargo político ou com empresas por eles participadas, “existe fundamento para uma redução teleológica – isto é, para desconsiderar a letra do preceito na parte em que esta não corresponde ou foi para além do espírito do legislador -, no sentido de que, em vez de se reportar indiscriminadamente a qualquer concurso público, deve referir-se, tão-somente, aos que foram abertos ou correm os seus trâmites no órgão do Estado ou do ente público em que o titular exerce funções ou sobre os quais exerce poderes de superintendência ou tutela de mérito”.

Ou seja, este entendimento “arreda da sua esfera de abrangência os casos, como os hipotizados no pedido de parecer [de António Costa] em que os concursos públicos foram abertos e tramitaram perante outros órgãos do Estado e/ou pessoas coletivas públicas situadas fora da esfera de ação do governante e em que os subsequentes contratos foram celebrados no termo de um concurso, após o escrupuloso cumprimento de todas as formalidades aplicáveis, prescritas pelo Código dos Contratos Públicos”.

O Conselho Consultivo da PGR considera que, “ao onerar os familiares do titular e as empresas por aqueles constituídas com o pesado fardo desses impedimentos, o legislador não curou de assegurar, de modo direto e cabal, mas apenas por modo ínvio e desnecessário, os fins que pretendia atingir”.

“Por seu turno, o meio utilizado pelo legislador, para alcançar esse desiderato, não é o único idóneo à prossecução dos fins em vista. Na verdade, o meio escolhido é excessivo e irrazoável, em função dos fins que se propunha conseguir. Ademais, os custos que o estabelecimento desses impedimentos, na forma tão ampla e irrestrita como foram recortados, são demasiado onerosos ou excessivos para as empresas afetadas, nos seus interesses económicos, por esses específicos impedimentos”, acrescenta-se.

No parecer, defende-se que a sanção prevista na lei para este tipo de casos, a demissão, “é política e objetiva, mas não é de aplicação automática, carecendo a sua aplicação de um procedimento que assegure, pelo menos, os direitos de audiência e de contraditório”.

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