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5G é ponto de viragem para o setor e para a economia nacional

Regulador vê uma oportunidade para abrir o mercado em benefício do consumidor. 5G só estará ao alcance dos operadores no segundo semestre, mas ofertas comerciais só deverão chegar dentro de dois anos.
20 Janeiro 2020, 07h50

O estado da indústria das telecomunicações está em constante mutação e, em Portugal, o statu quo de um setor que representa mais de 2% do Produto Interno Bruto na economia nacional pode mudar radicalmente em 2020, sobretudo pelo desenvolvimento da quinta geração da rede móvel (5G) no país. O ano de 2020 é o ano do 5G em Portugal, que no segundo semestre de 2020 já estará ao alcance das empresas de telecomunicações.

O impacto imediato da nova tecnologia dependerá da massificação de soluções 5G, a qual não será tangível já este ano. Numa consulta pública de 2018, os operadores de telecomunicações indicaram que as suas ofertas comerciais de 5G só surgiriam entre 2023 e 2024. Mas, pelo seu potencial disruptivo – reconhecido por todos os agentes do mercado, sobretudo pela capacidade de aumentar a produtividade e a competitividade de um país –, a quinta vaga tecnológica representa uma oportunidade inigualável pela sua capacidade de transformar todas as áreas de atividade da economia do país (em causa estão use cases relacionados com a condução autónoma, a indústria 4.0, a digitalização da agricultura e saúde). De acordo com um estudo da Ericsson Portugal, a economia nacional pode “desbloquear” 3,6 mil milhões de euros até 2030 com a tecnologia 5G.

A transversalidade do 5G é comprovada pela existência de uma pasta governamental para a transição digital do país (nas mãos do ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital, Pedro Siza Vieira), que só será uma realidade se alicerçada no 5G. Assim como pela referência da estratégia nacional do 5G (ainda por revelar pelo Governo) no Orçamento do Estado para 2020, e pela intenção do Executivo ver implementado o 5G nas principais autoestradas do país, na linha ferroviária do Norte e meios de transporte das áreas metropolitanas, metros de Lisboa e Porto incluídos, nos cinco maiores portos nacionais, nos aeroportos de Lisboa e Porto e em todos os hospitais e centros de saúde do país, já em 2022.

No plano internacional, o 5G reveste-se de uma importância geopolítica que já levou os Estados Unidos, liderados por Donald Trump, a criar e manter uma estratégia de pressão para que os paíse do ocidente (sobretudo na União Europeia) não recorram a empresas chinesas, em particular à Huawei, na construção de infraestruturas para o 5G – até ao momento sem efeito em Bruxelas.

Em Portugal, a discussão em torno do 5G não reside na forma como o mercado vai implementar a nova rede móvel. A menos de quatro meses do leilão de atribuição dos direitos de utilização de frequências do 5G há um ponto de discórdia setorial: a Autoridade Nacional de Comunicações (Anacom) vê no 5G uma oportunidade de contribuir para uma maior proteção do consumidor de comunicações eletrónicas e da “economia no seu conjunto”, segundo explicou o presidente do organismo, João Cadete de Matos, num encontro com jornalistas, em Lisboa, em janeiro. Mas os três operadores de telecomunicações retalhistas desconfiam do regulador.

Para cumprir as premissas tecnológicas do 5G – maior velocidade, mais capacidade de transmissão de dados e menor latência na rede – é necessário um investimento significativo em infraestruturas para viabilizar e assegurar ligações. O regulador defende que quanto mais partilhado for o investimento nas infraestruturas, maior e mais rápido será o retorno financeiro para as telecom e mais barato será o acesso dos consumidores das comunicações eletrónicas aos serviços com cobertura 5G.

“O 5G exige grandes investimentos por uma questão de densificação da rede e, num setor onde a rendibilidade das comunicações também terá que evoluir e ajustar-se à procura, torna-se essencial ver as virtudes de opções partilhadas ou de soluções grossistas”, afirmou João Cadete de Matos aos jornalistas.

É esta a oportunidade identificado pelo regulador, abrir o mercado nacional telecom por via da partilha de infraestruturas (o chamado roaming nacional) ou pelo investimento partilhado. O mercado já está a dar um sinal para a criação e proliferação de um operador grossista, isto é, que ‘alugue’ as suas infraestruturas a todos os operadores retalhistas. Recentemente, a Cellnex entrou em Portugal após a compra das torres da Omtel, a Altice alienou 49,99% da sua rede de fibra ótica para um fundo de infraestruturas da Morgan Stanley. Existe ainda a Dstelecom ou a Fibroglobal a operar no país e, no último ano, também surgiu a Dense Air que já se apresenta como “o primeiro operador 5G em Portugal”, tendo em conta que o seu modelo de negócio é grossista e, em simultâneo, já controla parte do espetro que vai alocar a rede 5G.

“O mercado português só tem a beneficiar do ponto de vista do seu desenvolvimento com a existência de soluções baseadas no princípio da partilha. […] É uma questão de tempo para que todos em Portugal reconheçam a vantagem que existe em repartir os custos”, defendeu Cadete de Matos. O “5G vai exigir mais antenas” e a partilha de infraestruturas traduz-se em menos torres de comunicações, uma vez que uma só torre “pode ter as antenas de todos os operadores”. Nesse sentido, “pode haver soluções grossistas, de operadores neutros” – reforçou o Cadete de Matos.

Para o regulador, a não partilha de infraestruturas ou a não existência de coinvestimento vai, no limite, prejudicar os consumidores: “No fim do dia há dois lesados, os acionistsa da empresa, que não vão obter um retorno tão rápido, e os consumidores, que vão pagar preços mais elevados”, disse o presidente da Anacom.

Outro motivo para a defesa da abertura do mercado para Cadete de Matos é o “facto de Portugal ser o país [da União Europeia] com menor número de operadores virtuais”, isto é, operadores que utilizem redes de outros operadores. O único caso português é a Nowo, que hoje integra o grupo espanhol MasMovil, que parte da sua rede é fornecida pela Altice. Tal como o JE noticiou há um mês, a Nowo admite investir em rede própria e vê oportunidades de negócio no 5G, mas tem como prioridade a partilha de rede e, por isso, espera que o mercado crie condições. Para a Anacom, um dos objetivos com o 5G passa por criar condições para que empresas como a Nowo, ou outras que queiram entrar em Portugal, possam implementar as suas ofertas. Por via de regulamentos, com o pretexto do 5G, a Anacom pode impor ao mercado a sua ideia, mas isso só se saberá quando for conhecido o regulamento do leilão do 5G.

A ‘visão’ dos operadores
A Altice, a NOS e a Vodafone desconfiam da visão da Anacom. Mais do que uma vez, ainda que por diferentes palavras e ações, nenhuma das três maiores telecom nacionais elogiou ou admitiu a ideia de roaming nacional, por considerarem que vai promover um desinvestimento por parte das suas empresas. Estes players não veem com bons olhos o que consideram ser uma tentativa do regulador em redesenhar o mercado. Argumentam não querer ser obstáculo a novos concorrentes, nem rejeitam a partilha de infraestruturas (NOS e Vodafone partilham rede da Dstelecom), mas não querem que essa partilha – ou uma eventual partilha no investimento – seja imposta pela regulação.

Criticam, ainda, a postura da Anacom pela forma como tem gerido a questão do 5G, acusando a equipa de Cadete de Matos de atrasar a implementação da nova geração de rede e de colocar em causa a competitividade do setor e do país. Sobretudo pelo caso da Dense Air, que detém hoje parte do espetro necessário ao 5G, e, por isso, os operadores retalhistas consideram que não haverá espectro suficiente em leilão, cujo valor vai depender da procura que houver.

A NOS e a Vodafone, ao argumento da falta de espectro, acrescentam o processo judicial em curso contra a Anacom por causa da Dense Air. Ambos os operadores defendem que o regulador deveria ter recuperado a totalidade do espectro. Porém, a Anacom aceitou apenas reconfigurar o espetro detido pela empresa de origem britânica até 2025. Contudo, Cadete de Matos já disse que há espectro suficiente, ao contrário de outros países onde a atribuição do espectro do 5G foi parcial. Por cá, a Anacom defende que vai leiloar todas as faixas relevantes (a dos 700 MHz e dos 3,6 Ghz são as principais).

A Altice, por sua vez, critica sobretudo o calendário apresentado pela Anacom, tendo considerado já mais do que uma vez, criar incertezas sobre as condições de acesso ao espectro.

 

Grupo dos ‘Nove’ do 5G
Ao dia de hoje, o 5G já é comercializado em nove países da União Europeia, nomeadamente na Alemanha, Áustria, Finlândia, Irlanda, Itália, Espanha, Estónia, Reino Unido e Roménia. Mas deste autêntico grupo dos ‘Nove’ do 5G, apenas no Reino Unido a nova vaga tecnológica é oferecida ao mercado por todos os operadores de telecomunicações do mercado britânico. Já na Áustria, Alemanha, Irlanda, Itália e Roménia, os serviços 5G são oferecidos por duas ou mais telecom, segundo o Observatório Europeu para o 5G. Ao todo, o 5G já é disponibilizado por quinze operadores. Em média, segundo o organismo criado pela Comissão Europeia em 2018, um em cada três estados membro já tem forma de se servir do 5G.

 

Riscos para a saúde?
Há, ainda, outro aspeto sobre o desenvolvimento da nova tecnologia que não é de somenos importância. As redes móveis operam via ondas de rádio eletromagnéticas transmitidas entre uma antena e um aparelho com cobertura de rede. O 5G não é diferente. Nos centros urbanos, as ondas eletromagnéticas navegam em distâncias mais curtas e, por isso, exigem mais antenas do que as tecnologias anteriores, localizadas mais perto do solo. No caso do 5G, utilizam-se frequências mais altas face às gerações de rede anteriores. É por isso que mais dispositivos terão acesso à internet, em simultâneo, e com uma velocidade muito superior. Também é por essa intensidade das ondas de rádio e da necessidade de mais torres de comunicação que um grupo de cientistas e médicos escreveram, em julho de 2019, à União Europeia, solicitando a suspensão da implementação do 5G, devido aos efeitos potenciais da radiação para a saúde.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Agência Internacional de Pesquisa sobre o Cancro consideram todas as radiofrequências como “possivelmente cancerígenas”, ainda que as evidências científicas não sejam “conclusivas”. Embora a OMS tenha declarado há seis anos que “nenhum efeito nocivo para a saúde foi constatado como provocado pelo uso dos telemóveis”, a proliferação das redes de comunicação em virtude do 5G será um caso para acompanhar.

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