[weglot_switcher]

Ana Rita Cavaco: “Vamos ver se algum destes partidos do sistema consegue fazer alguma justiça aos enfermeiros”

Bastonária da Ordem dos Enfermeiros garante que voltaria a ir cumprimentar André Ventura à convenção do Chega em Évora “100 vezes se fosse preciso”. E diz que não tem medo do crescimento desse partido, apesar de manter a militância não ativa no PSD.
  • Foto: Cristina Bernardo
2 Novembro 2020, 07h10

Ainda era conselheira nacional do PSD quando foi eleita para liderar a Ordem dos Enfermeiros pela primeira vez, mas Ana Rita Cavaco reconhece que o seu partido tem feito pouco para resolver os problema da classe. Tanto no tempo em que esteve no poder como agora na oposição, diz a bastonária que aponta “um problema com a crítica” ao primeiro-ministro António Costa e não se assusta com o crescimento do Chega, liderado pelo seu amigo André Ventura.

Há pouco mais de ano e meio, aquando da realização das “greves cirúrgicas” dos enfermeiros, António Costa classificou-as de “selvagens” e admitiu o envolvimento da Ordem no crowdfunding que compensava os enfermeiros pelas faltas, o que resultou numa sindicância requerida pelo Ministério da Saúde. Acredita que ainda vá haver paz com este Governo?

Acredito naquilo que é a verdade: a investigação da ASAE e outras investigações demonstraram que o primeiro-ministro provavelmente sonhou que a Ordem tinha financiado a “greve cirúrgica”. Isso ficou provado pelos diversos relatórios. E não é porque as pessoas nos dizem coisas que não gostamos de ouvir, ou porque nos contrariam, que temos o direito de as atacar ou de lhes entrar pela casa adentro. António Costa já demonstrou diversas vezes que tem um problema com a crítica e com a oposição às suas ideias. E não se trata de oposição político-partidária. Aqui na Ordem temos enfermeiros filiados em praticamente todos os partidos e somos uma equipa que pensa a profissão e a dignidade profissional. Fazemos denúncias consoante o que estamos a ver. Pouco nos importa se é o governo de António Costa ou de outro, se é um governo de esquerda ou de direita. Continuaremos sempre a fazê-lo. Se o primeiro-ministro não gosta, é problema dele. Quando denunciamos algo que está errado e a pôr em causa a segurança das pessoas, ou o seu acesso a cuidados médicos, estamos a defender cada um de nós. Isso é que nos importa.

É possível que o conflito com o Executivo, e a sindicância em particular, tenham sido decisivos para a sua reeleição por mais quatro anos, em novembro de 2019?

Francamente penso que não. Decisivo foi os enfermeiros sentirem que tinham aqui um órgão regulador, ao qual podiam expor dúvidas e pedir pareceres no sentido de terem não só uma melhor prática mas também maior desenvolvimento profissional. Quando chegámos havia seis áreas de especialidade e criámos mais seis, num sistema de competências acrescidas para enfermeiros de cuidados gerais e especialistas. Claro que isto precisa de ter tradução na carreira – e aí reside o erro de não valorizarem, nomeadamente com dinheiro, as especificidades altamente diferenciadas dos enfermeiros. Isso é que contribuiu para a votação no final do ano passado. Mas se pergunta se os enfermeiros gostaram de ver a sua casa devassada, ou de um governo atacar a sua representante, que os defende todos os dias, com certeza que não.

Parece-lhe que as reuniões do Presidente da República com figuras do setor, incluindo ex-ministros da Saúde, pode ser visto como um voto de desconfiança à gestão da pandemia pelo Governo, e em particular por Marta Temido?

Está a fazer o seu papel ao ouvir todos os intervenientes, pois o Presidente tem direito a ouvir dúvidas e a ouvir outras opiniões, tal como penso que a maioria das pessoas têm dúvidas sobre aquilo que se vai passando todos os dias. Ele não é um eco do Governo e, não o sendo, parece-me bem que ouça várias pessoas.

Acredita que o Governo irá ouvir o que o Presidente da República tiver para lhe dizer?

Penso que na generalidade tem ouvido.

Foi muito criticada por ter ido à convenção nacional do Chega, em Évora, embora tenha dito que foi a título pessoal e pela amizade que a liga a André Ventura. Tendo em conta essas reações, voltaria a fazer o mesmo?

Estive na Convenção do Chega como bastonária, a representar a Ordem dos Enfermeiros, como lá esteve representada a Ordem dos Advogados, a Ordem dos Farmacêuticos e creio que a Ordem dos Engenheiros. Todas as ordens são convidadas por diversos partidos políticos para a abertura ou encerramento dos congressos e convenções. Já estive nos do PS, do PCP e do CDS-PP. Penso que os únicos que não têm histórico de convidar as ordens profissionais são o PSD e o Bloco de Esquerda. Tenho estado em todos os outros, como têm outras ordens profissionais, e aceito os convites. O que fiz na noite anterior, porque já estava em Évora, foi cumprimentar um amigo – e isso voltaria a fazer 100 vezes se fosse preciso. Estou bastonária – isto é um cargo e os cargos são passageiros. O que seria se para estar bastonária tivesse que entregar uma lista das minhas amizades. Não podemos negar os amigos e as pessoas que cruzam as nossas vidas. Isso é errado. É estar a representar um papel e eu, estando bastonária, não estou a representar um papel.

Acredita que as críticas tiveram a ver com o ter estado na convenção desse partido em particular?

Também não tenho muitas dúvidas disso. As pessoas têm algum medo do que esse partido representa e do crescimento que está a ter. Acima de tudo, assusta um bocadinho os partidos do sistema.

Vejo que não é o seu caso. O crescimento do Chega não a assusta…

Não, da mesma forma que não me assustam os outros partidos. Quando fui eleita pela primeira vez para a Ordem ainda era conselheira nacional do PSD, onde mantenho a minha militância – que neste momento não é ativa -, terminei o mandato e não voltei a concorrer. Continuo a ser militante do PSD, mas não me assusta o crescimento dos outros.

Foi também questionada pela celebração de um contrato de assessoria jurídica, no valor de 72 mil euros, com o atual dirigente do Chega, Tiago Sousa Dias, que então estava no Aliança. Como as maiores críticas se deveram ao facto de ele ser seu amigo admite que isso poderia ter sido um entrave?

Não. Primeiro, acho que o que perturbou as pessoas foi ele estar no Chega e não ser meu amigo. Aqui na Ordem, como em qualquer outra instituição, não podemos pedir às pessoas uma declaração do seu partido político e da sua religião – é, aliás, inconstitucional -, pois têm direito à liberdade política e religiosa. Temos cargos para os quais contratamos pessoas de confiança, como é o caso do chefe de gabinete, do secretário-geral e da assessoria jurídica. Era o que mais faltava virem escolher os advogados que a Ordem contrata. Ser amigo ou deixar de o ser não foi uma questão na contratação. Depois há uma diretora de recursos humanos que abre vagas para outro tipo de funções. A Ordem tem cinco seções regionais, uma sede nacional e mais de 300 funcionários no país todo. Há efetivamente cargos, como a assessoria jurídica, a secretaria-geral e o gabinete da bastonária, que são lugares de confiança, mas essas pessoas permanecem aqui enquanto durar o meu mandato. Entram e saem comigo.

Alguma vez foi ouvida por Rui Rio desde que ele conquistou a liderança do PSD?

Sim, institucionalmente. Rui Rio pediu uma audiência à Ordem dos Enfermeiros e esteve na nossa sede. Ouviu-nos, fez perguntas, tal como estiveram outros partidos. Esteve o CDS-PP, vou receber o novo presidente do Aliança, tal como recebi o anterior, tal como recebi o André Ventura, tal como temos feito audiências com todos os outros partidos que nos pedem.

Os sociais-democratas têm estado atentos aos problemas da saúde, e em particular aos problemas dos enfermeiros?

Em particular aos problemas dos enfermeiros muito pouco, mas isso não é de hoje. Era a minha luta no Conselho Nacional do PSD: fazer chegar àquele que na altura até era primeiro-ministro o que se passava com os enfermeiros. Não deixava de o fazer. Mesmo sendo militante e conselheira nacional dizia o que tinha a dizer. As críticas são as mesmas: quando foi governo o PSD teve a oportunidade de corrigir muita coisa que estava em causa para os enfermeiros, e não o fez. E também tem, agora como oposição, a possibilidade de fazer algumas coisas que também ainda não fez. Vamos ver se algum destes partidos do sistema consegue ter o discernimento de fazer alguma justiça aos enfermeiros. Da esquerda à direita, infelizmente, nenhum o fez.

Não vê nenhuma exceção entre as forças políticas?

Francamente não vejo nenhuma e sou enfermeira há 23 anos.

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.