O coronavírus trouxe ao de cima a enorme fragilidade da economia em que vivemos, alterando hábitos de forma estrutural. O teletrabalho, as videoconferências, os pagamentos electrónicos, os processos de digitalização e a simplificação das empresas aceleraram uma nova era tecnológica que potenciará o crescimento da economia, desta vez assente no digital real. Não há dúvida que a sua adopção será generalizada e acelerada, tendo em vista a necessidade de melhor as capacidades de comunicação. Não fossem as ferramentas e as plataformas de comunicação existentes, e o confinamento teria tido consequências dramáticas na sociedade.

Mesmo assim, os efeitos na economia foram tais que estamos perante uma depressão económica comprimida no mais curto espaço de tempo alguma vez vivido. As quedas trimestrais do PIB ditaram a reabertura das maiores economias mundiais e da portuguesa, bem como os maiores estímulos alguma vez lançados. Nem no pós-Segunda Guerra Mundial os balanços dos bancos centrais subiram tanto. Estima-se que a reserva federal americana tenha de comprar mais de 5 biliões de dólares em obrigações até fim do ano para financiar o aumento da despesa do governo, ficando deste modo com quase 50% do PIB americano no seu balanço. Esta dívida já não é passível de ser paga.

A pandemia do coronavírus trouxe consigo o fim do conceito do pagamento de dívida, tal como o conhecíamos. As obrigações do tesouro dos governos não serão mais do que veículos para parquear dinheiro cujo rendimento será zero, ou próximo da inflação, no caso de percepção de risco. Perante tal velocidade na impressão, iremos assistir a uma desvalorização deslizante do dinheiro, ou “crawling-peg”, semelhante à que o escudo português sofreu nos anos 80, com consequências que são quase invisíveis e se reflectem na perda paulatina do poder de compra dos cidadãos.

Cada vez que se menciona a bazuca, seja ela orçamental ou monetária, falamos de imprimir dinheiro do nada, sem contrapartidas reais, sempre associada a mais impostos, mais carga fiscal, mais restrições à economia, menos liberdade e mais desigualdade.

A desigualdade também está patente nos índices de bolsa. Apesar das empresas na sua generalidade estarem com menos actividade económica, os índices de bolsa recuperam ferozmente. Isto deve-se não ao apenas factor antecipação, mas também à alteração da composição e da concentração dos índices.

Este facto explica por que razão os investidores vêem uma coisa e sentem outra – os índices recuperam e os seus investimentos nem por isso. Neste momento, cinco empresas representam 21% do índice S&P500, numa concentração nunca vista. São elas: Microsoft, Apple, Amazon, Alphabet e Facebook. As maiores empresas do mundo, algumas com capitalização superior a um bilião de euros, conseguiram distanciar-se ainda mais da concorrência e do resto do mercado.

A bazuca lancada pelos bancos centrais não servirá de nada enquanto se chamar dívida e não capital. Talvez um conceito a ser revisto brevemente, quando o mundo ou a zona euro não aguentarem mais.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.