Uma semana dramática é isto: ver o nosso pequeno e miserável mundo político e mediático em transe por um cidadão defensor do ideário fascista, de seu nome Mário Machado, ter tido a oportunidade de falar num estúdio da TVI e os sismógrafos especializados não registarem nenhuma onda de indignação por um ministro, neste caso Augusto Santos Silva, se ter atrevido a tentar condicionar, através de carta oficial e com dois meses de antecedência, um relatório que a OCDE estará a preparar sobre a perceção de corrupção em Portugal.

Estes dois episódios, ocorridos na mesma semana em que Miguel Macedo se tornou muito querido em certos meios socialistas, vá lá saber-se porquê, e até o Presidente da República se posicionou na guerra de audiências entre os programas destinados às “senhoras lá de casa”, dão-nos a exata medida de como vivemos sitiados num regime tão doente quanto saloio e liliputiano, feito de personagens que Eça de Queiroz, nas suas cruas observações da sociedade portuguesa, nos descreveu há mais de 100 anos.

É claro que, depois, qualquer um de nós pode desligar as televisões e as redes sociais, abrir a porta, sair da bolha e fazer-se à rua. E aí, milagre dos milagres, voltar a descortinar um país que trabalha, pessoas autênticas, a reencontrar os problemas reais da vida e a troca de argumentos inteligente. É um exercício que aconselho.

O 25 de Abril está quase a fazer 45 anos, mas todo este tempo ainda não foi o suficiente para despistar a herança deixada tanto pela ignorância como pelo descaramento dos novos detentores do poder. A Democracia portuguesa tornou-se formal – e é este regime, ilustrado pela falência fraudulenta de bancos, a terrível destruição de valor na antiga Portugal Telecom e os intermináveis processos com que o Ministério Público ousou  beliscar alguns dos nossos traficantes de influências, que adora episódios como o de Mário Machado e os coloca num patamar mediático impensável. Assim, protegido pela algaraviada, pode desvalorizar apreciações como a que o Governo parece que sabe que virá da OCDE.

A coisa, vista daquele lado, tem lógica: é melhor dar gás a perigos que não existem entre nós (como uma extrema-direita que fosse relevante ou organizada), e cuja prevenção a Constituição da República contempla, assim como a liberdade de expressão, do que olhar com coragem para a degenerescência da vida pública nacional e para a corrupção evidente que a assola perante a passividade de todos os principais atores políticos.

Fora da bolha saloia, no entanto, até que houve boas notícias.

A Justiça condenou no processo dos vistos Gold, ao contrário do que foi dito por oráculos do tal espaço político e mediático. Mas os tribunais também provaram que não funcionam a reboque da investigação e na dúvida protegem o réu (casos de Miguel Macedo e Duarte Lima). Lá se foi a tese da conspiração.

E, por outro lado, até o Parlamento aprovou a divulgação dos grandes devedores dos bancos que beneficiaram do apoio estatal nos últimos 12 anos – CGD, BES/Novo Banco, BPN, Banif, mas também BCP e BPI por via de terem recorrido a instrumentos de capital do Estado. A lei resulta de um texto de consenso entre PSD, CDS, PCP E BE, proposto pelos sociais-democratas. O PS absteve-se, coisa extraordinária. Mas daqui a mais ou menos 100 dias os nomes chegarão ao Parlamento. Depois, espera-se, serão públicos. Finalmente.