O que distingue uma democracia de uma ditadura travestida de democracia? Como a Venezuela, por exemplo. Ou uma ditadura de uma democracia podre como a portuguesa, onde o poder se desenvolve à volta das mesmas pessoas, dos mesmos interesses, sem qualquer abertura para a diversidade de novas ideias e outras gentes. Onde uma boa parte do povo segue desligado das questões políticas, por manifesta ausência de escolhas credíveis, e outra parte anda iludida pela retórica do engano, a somar a uma parte significativa que continua presa ao cordão umbilical dos tachos no sector público.

A principal diferença é que, numa Democracia, mesmo com muitas falhas, existe a possibilidade de os cidadãos corrigirem os desequilíbrios. Por mais obstáculos que surjam, desde que haja liberdade de expressão, de acção e de opinião, e por muitos spins e controlo dos media, exercido pelo poder político e seus pagantes, é possível destronar os “intrusos”.

São muitos os que me questionam sobre o que fazer. Já o referi em opiniões anteriores: fazer pressão sobre os media, exigir jornalismo, desligar do entretimento estupidificante como horas diárias de conversas de café sobre futebol ou política. Mas existem outras opções de protesto. Hoje darei conta de três exemplos, vindos dos EUA.

O primeiro visou a secretária da Segurança Interna de Trump, Kirstjen Nielsen, que defendeu a separação de pais e filhos na fronteira com o México. Foi forçada a sair de um restaurante mexicano, após vários cidadãos lhe terem oferecido uma “serenata” pouco agradável, com frases do tipo “as crianças não comem em paz, tu não comes em paz”.

O segundo exemplo é o comportamento de repúdio no convívio social, caso dos empregados mais novos de Trump, que se queixam de não ter com quem sair por serem considerados personas non gratas em Washington, um dos Estados mais democratas e liberais, por causa do seu empregador. E mesmo depois de saírem da rede de Trump, continuam numa “lista negra” social.

Por fim, um caso mais recente. A secretária de Imprensa do presidente americano, Sarah Huckabee Sanders, foi delicadamente convidada a sair de um restaurante por integrar a administração Trump, facto bem descrito num artigo de opinião da New Yorker: “Não podes cuspir no prato e depois querer jantar. A melhor forma de receber civilidade à noite é não a atacando durante o dia”.

Isto é exercer o seu direito à opinião, mas com consequências. Tal como diz o ditado, “água mole em pedra dura tanto bate até que fura”. Ora, se o poder político ignora a voz do cidadão para além das eleições, então são necessárias outras medidas de combate ao autismo dos políticos. Sempre no respeito integral da lei e nunca com ameaças à integridade física ou violando a liberdade dos visados. Se queremos mudança temos de fazer por isso, ou seja, não podemos bajular quem nos ataca sob uma capa de “legitimidade” democrática. Temos sim de fazer sentir, no concreto, aos visados, o nosso descontentamento.

Este apelo à cidadania e à defesa dos interesses dos cidadãos é hoje mais importante que nunca, pois o descaramento de alguns “líderes”, como Trump ou Bruno de Carvalho, e a passividade da população são uma mistura demasiado perigosa. Não podemos contar apenas com as instituições judiciais, porque nem sempre respondem em tempo útil, ou nem sequer actuam por impossibilidade legal.

Acha que não é assim? Actualmente, há 19 deputados arguidos, ou cerca de 8% dos 230 que compõem o Parlamento. Em contrapartida, para 10,3 milhões de habitantes existem “apenas” 86 mil arguidos (crime), o que perfaz um rácio de 0,84%, ou seja, muitíssimo inferior. Em suma, os deputados eleitos não representam os cidadãos que os elegeram. O problema é que se ficarmos à espera que eles mudem, a situação só vai piorar porque nada lhes acontece, e apesar de bicadas de uns para com os outros, a farinha na classe é a mesma, o que muda é a marca.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.