A confusão é tamanha nos políticos, na comunicação social e em estudos. A classe média como conceito sólido (sociológico e económico) não existe. Existe um conjunto elástico de estratos sociais, a que se convencionou chamar de classe média, sem homogeneidade entre si e sem identidade, por exemplo, face às relações de trabalho.

Isto vem a propósito de quê? De estudos vários, nacionais e internacionais, e dos “debates” sobre eles na comunicação social. O estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos incide sobre as “classes” que, em Portugal, terão perdido mais rendimento, predominantemente no período da Troika. Um pouco ao arrepio do senso comum, está a ser divulgada uma sua conclusão que, se bem a entendi, diz o seguinte: A classe dos mais pobres acusa a maior perda relativa de rendimento.

Digo ao arrepio porque a ideia que se interiorizou – embora sem quantificar o patamar de rendimentos a partir do qual posso dizer (em Portugal) aqui termina a classe pobre, aqui começa a classe dos que auferem rendimentos médios e, depois, o mesmo problema se coloca para a passagem à classe de rendimentos elevados (ricos) – é a de que, no essencial, foi a classe média a mais sacrificada com as medidas do anterior governo e da Troika.

Durante o consulado de Passos Coelho/Paulo Portas, as classes pobres, direi abaixo do limiar da pobreza, não sofreram cortes directos nos seus rendimentos (não havia onde cortar mais, seria um atentado humano) nem aumento de impostos, nem mesmo no escalão (?), digamos, de transição de classe.

É evidente que os mais pobres perderam poder de compra pelo aumento dos preços a todos os níveis (transportes, bens alimentares, fármacos, etc.), apoios na saúde que puxaram ainda mais para o fundo a pobreza dos pobres. E o desemprego, sem as devidas comparticipações sociais e com os seus efeitos nefastos, veio alargar a camada social dos pobres.

A minha dúvida é em termos relativos. Que a classe pobre ficou mais pobre, sem dúvida. Que vários estratos considerados da classe média sofreram muito, a vida dá-nos razão. Esses estratos sociais sofreram, para além do aumento generalizado dos preços, cortes significativos nos salários e aumento de impostos. A ser, como parece deduzir-se do estudo, a informação que nos foi passada pelos políticos e comunicação social revela-se um fracasso completo. Estava rotundamente errada.

No entanto, estamos perante uma questão importantíssima, uma questão de fundo. Apesar de, como disse antes, a classe média não ter identidade nem homogeneidade, há que balizar, em termos de quantificação de patamares de rendimentos e de atribuição de valor patrimonial, o que se inclui no que se convencionou socialmente como classe média.

Um casal com dois filhos em Lisboa, por hipótese, com um rendimento salarial de 3.500 euros/mês, entra na classe dos ricos ou ainda é classe média? Existe tanto capital humano de qualidade nos gabinetes de estudo dos diferentes ministérios (Finanças, Economia, Segurança Social), eventualmente em subaproveitamento, porque não constituir uma ‘task-force’ que balize este problema? E ainda identifique casos (muitos) onde o rendimento das pessoas é camuflado em empresas, diria, “tipo tóxicas para o Fisco”, seja cá, seja em ‘offshores’.

Prestar-se-ia um grande serviço público se se reduzisse fortemente o grau de toxicidade na discussão destas questões e criar-se-ia uma base sólida para assentar uma política fiscal mais equitativa.

O autor escreve segundo a antiga ortografia.