Acontecimentos recentes impelem-nos a regressar ao tema de Tancos. No dia 14 de novembro, o presidente da Assembleia da República (AR) deu posse à Comissão Parlamentar que tem por missão apurar as responsabilidades políticas do furto do material de Tancos, bem como “retirar conclusões e consequências”.

Embora alguns analistas ainda insistam em discutir os erros cometidos pelos militares, essa abordagem tornou-se anacrónica. O tema discute-se agora na arena política. A barreira entre assuntos militares, judiciais e políticos ficou diluída. Não se pode falar de um assunto esquecendo os outros, descurando a sua íntima relação.

Sendo a “carta de missão“ do presidente da AR relativamente vaga, parece-nos de toda a conveniência clarificar algumas questões incontornáveis para o apuramento da verdade.

Em primeiro lugar, não esquecer o furto. Segundo o que veio a lume na Comunicação Social, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) irá concentrar-se apenas, ou fundamentalmente, no achamento dos artefactos e munições furtadas, correndo-se assim o risco de olvidar que tudo começou por um furto. Sabe-se quem as achou, mas não quem as furtou. Existe contudo uma ligação umbilical entre os dois acontecimentos. Averiguar um esquecendo o outro subverterá a credibilidade do exercício.

Em segundo lugar, serão chamados a depor responsáveis da Polícia Judiciária Militar  (PJM), militares de alta patente, antigos e atuais governantes. Nem o primeiro-ministro deverá escapar. Também aqui nos parece ser curta a ambição da CPI. Faria todo o sentido alargar o apuramento das responsabilidades. O Ministério Público (MP) e outros órgãos de polícia criminal deveriam ser chamados para esclarecer alguns aspetos cruciais.

Em terceiro lugar, e no seguimento do que foi atrás referido, existe um conjunto de dúvidas que têm obrigatoriamente de ser esclarecidas. A saber:

Porque é que o Ministério da Defesa e as Forças Armadas não foram informados pelo MP da possibilidade de um assalto aos paióis de Tancos, quando estava alertado para essa possibilidade?

Porque é que tendo sido identificados os meandros do achamento não foram ainda trazidos à justiça os autores do furto?

Tendo sido o acontecimento apresentado como uma ameaça elevada à segurança nacional envolvendo o terrorismo internacional e tráfico de armas internacional, porque é que as Secretárias-Gerais do Sistema de Segurança Interna e do Sistema de Informações da República Portuguesa souberam da ocorrência pelos jornais? Porque é que essa informação não foi partilhada através da UCAT, o órgão de coordenação e partilha de informações, no âmbito da ameaça e do combate ao terrorismo?

Porque é que o juiz de instrução criminal do TCIC considerou este tribunal incompetente no âmbito do processo ao qual foi apensado o processo inicial da PJM? porque terá considerado não haver indícios do cometimento dos crimes de tráfico de armas e de terrorismo?

Sem pretendermos que a CPI substitua o MP, estas questões não podem ser omitidas na averiguação a ser levada a cabo pela CPI, porque a natureza das suas respostas, embora de natureza operacional, tem repercussões eminentemente políticas, e têm a ver com a sanidade do Estado de Direito. Não pode haver órgãos de soberania a atuar em roda livre.