Uma das principais bandeiras da geringonça tem sido o salário mínimo nacional (SMN). Com algumas nuances, os três partidos que compõem o bloco de suporte ao Governo têm defendido um aumento do rendimento mínimo garantido, levando mesmo o BE a declarar o ano passado que estava “em grande convergência” com o PCP neste tema. Um ponto comum é a intenção de aumentar o valor sem nunca consubstanciar se a economia/empresas o podem suportar. Nunca!

E clarifico desde já que a minha questão não é o aumento do salário mínimo per se, mas sim o aumento do mesmo sem qualquer estudo sobre o seu impacto concreto, para além do facto óbvio de que são quase 800 mil eleitores que ficam agradados com esta medida – a somar aos mais de dois milhões que auferem valores um pouco superiores mas que, de forma indirecta, também podem ter mais rendimento, porque o mesmo está informalmente indexado ao SMN.

Para que não restem dúvidas, um rendimento para uma vida condigna, conforme promove o “9.º Relatório de Acompanhamento do Acordo sobre a Retribuição Mínima Mensal Garantida”, não se atinge com 600 euros por mês (valor para 2019), nem com 700 ou mesmo 800 euros mensais.

Importa não esquecer que um dia que um ser humano não viva com dignidade nem usufrua do seu tempo com qualidade, é um dia perdido para sempre, pois o tempo não volta atrás. No entanto, mais de três milhões de cidadãos portugueses auferem valores que, por vezes, não chegam sequer para pagar todas as contas, quanto mais viver!

Há uns anos para cá que tenho vindo, neste espaço de opinião, a reclamar uma nova estratégia para se atingirem valores de rendimento realmente condignos, ou seja, na ordem dos mil euros por mês “limpos”.

Essa estratégia passa obrigatoriamente pelo fomento, único e exclusivo, de postos de trabalho que resultem em produtos de maior valor acrescentado. Só esses permitem elevar a fasquia de forma célere, porque não é com vinte ou trinta euros de aumento por ano que chegamos a bom porto, isso são migalhas para enganar o eleitor.

O que são produtos de maior valor acrescentado? Basicamente, aqueles que têm vantagem em relação à maior parte da concorrência, por vezes únicos no mercado ou que têm propriedade intelectual exclusiva. São estes que permitem extrair mais lucro por trabalhador e daí decorre a possibilidade de pagar mais a cada funcionário.

O estudo “Diversificação e crescimento da economia portuguesa”, da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), aqui noticiado, indica um caminho, ainda que resumidamente: “diversificação da estrutura produtiva, com maior complexidade económica”, para uma maior rentabilidade per capita da economia nacional.

Complexidade que significa preferência por produtos inovadores e/ou com níveis elevados de tecnicidade no seu fabrico, para se ter a tal vantagem. Mas a mais-valia atinge-se igualmente com procedimentos básicos. Por exemplo, um frango custa cerca de 1,68 euros/Kg, mas se for assado o preço salta para os 5 euros/Kg enquanto o custo da transformação do produto não chega a um euro, logo, o lucro é muito superior para a mesma matéria-prima.

A especialização na produção e exportação de produtos de maior valor acrescentado é o único caminho viável para uma melhoria substancial das condições que as empresas terão para oferecer melhores salários – e o único caminho que ser fomentado pelo Estado. Não devemos dar apoios a um negócio só porque gera um posto de trabalho, mas sim a negócios que criem postos de trabalho com ordenados muito superiores ao SMN.

Recentemente, a Amazon, segunda empresa mais valiosa de Wall Street e maior retalhista online, anunciou que iria passar a pagar um rendimento mínimo de 15 dólares/hora, instando a concorrência a seguir este passo. Já a Walmart, maior retalhista global, apenas prevê uma subida para os 11 dólares/hora em 2019.

A diferença entre ambas é simples, a Amazon tem muitíssimo maior valor acrescentado nas suas operações, daí que consiga pagar mais 36%. É também por isso que a Walmart é seguida pela Amazon na lista dos maiores retalhistas globais, sendo que esta vale mais 3,5 vezes que a Walmart quando, em 2015, a empresa fundada por Jeff Bezos não ia além do sétimo lugar no ranking.

Os impostos são importantes para a competitividade de um negócio, mas não são o mais importante. Uma empresa que não tenha um produto competitivo nunca passará do rés- do- chão, seja qual for o nível de impostos. Já uma empresa com um produto excelente de maior valor acrescentado, atinge o topo mesmo com impostos elevados.

O importante é a estratégia de criar maior valor acrescentado para ter vantagem sobre a concorrência, mas não para fazer o mesmo que os outros e subsistir pagando ordenados miseráveis. Portanto, respondendo à pergunta do título: sim, é compatível! Mas não de qualquer maneira, como fazem os governos.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.