Leio as principais conclusões do relatório do Tribunal de Contas (TdC) referente à atividade do Parlamento português e sinto vergonha, vergonha mesmo, ao saber que os deputados estão sob a suspeita de fraude fiscal por alegados pagamentos indevidos.

Repare-se: já não estamos a falar apenas daquelas mulheres e homens que representam os Açores e a Madeira. Essa possibilidade já ficara conhecida com o caso Carlos César, presidente do PS, um dos que duplicava o subsídio semanal de 500 euros atribuído em São Bento com o direito ao subsídio social de mobilidade, pago através dos CTT, e devido a todos os portugueses que residam nas ilhas.

O que o TdC admite agora é que existe um “risco elevado” de terem sido pagas viagens fantasmas a todos, devido à dispensa de apresentação de comprovativos.

Para além do caso das viagens, o relatório obviamente foca o ineficaz controlo das presenças, no centro das atenções devido, entre outros, a José Silvano, secretário-geral do PSD, e na possível (eu diria quase certa…) desatualização de dados relativos às moradas de residência – o que tem depois a ver com o recebimento de verbas várias, de ajudas de custos.

Estamos perante um caso que honra a tradição portuguesa da pescadinha de rabo na boca. As notícias estão aí publicadas, sem bolinha no canto superior direito, e sem atender a que podem estar a ser consumidas por menores de idade. É só aceder.

Perante este esgoto a céu aberto, não sei que mais lamentar: se o facto dos deputados serem suspeitos de poderem ser capazes de, individualmente, se comportarem como vulgar gente desonesta ou de, coletivamente, terem dado pelo tempo fora a certeza de, nos seus interesses pessoais, formarem uma grande irmandade unida por um silêncio capaz de ir da direita à extrema-esquerda. É que não existe notícia de nenhum destes 230 deputados alguma vez ter pretendido dar conteúdo ético aos privilégios da função, abdicando de alguns deles ou denunciando práticas obscenas.

E há um privilégio que é, obviamente, de estarrecer: o pagamento de um seguro de saúde, desde 1990, que é ilegal desde 2007, momento em que a lei do orçamento passou a proibir o financiamento público de sistemas privados de proteção social e de cuidados de saúde. Torna-se penoso ver como a corporação do Parlamento tenta defender que este seguro faz sentido num país no qual existe o Serviço Nacional de Saúde. Mais: que nunca nenhum deputado de esquerda, de Jerónimo a Catarina Martins, passando por Isabel Moreira e outros faróis de virtude, alguma vez se tenha incomodado com esta outra duplicação que lhes deveria ferir as extremadas convicções ideológicas.

Ao ler estas notícias, não posso deixar de me lembrar da transparência do deputado federal brasileiro Tiririca (“Vota Tiririca, pior que tá não fica”), um humorista popular eleito já três vezes por São Paulo e que também disse, logo a abrir: “Venho para defender os interesses dos mais necessitados, a começar pelos meus e os da minha família…”. Aos deputados portugueses só falta este despudor. O resto está lá tudo. E agonia.