Quando se fala de serviço público, é bom não esquecer que este não se circunscreve a funções de soberania como a defesa, a proteção civil ou as forças de segurança. Também diz respeito a serviços da área social – saúde, educação, transportes ou segurança social – a que uma larga maioria de portugueses não pode deixar de recorrer. Não pode e não deve. Pagamos impostos e mantemos um contrato social com o Estado que nos confere a cidadania, é nossa obrigação exigir, ainda que num quadro de escassez de recursos, o acesso a serviços públicos de qualidade, segurança e previsibilidade.

No último ano, segundo dados da Provedoria da Justiça de Portugal, acentuou-se a tendência de crescimento das queixas recebidas sobre matérias relativas a direitos sociais, mais concretamente à proteção social. Muitas dessas queixas dão nota de uma degradação da qualidade do serviço prestado aos cidadãos portugueses, dificultando ou comprometendo o acesso a direitos fundamentais e colocando em causa a coesão social e o combate à pobreza e exclusão.

Além da degradação da qualidade do serviço, as queixas refletem outro tipo de degradação que também cresce significativamente: a da relação entre o cidadão (beneficiário ou contribuinte) e os serviços públicos, a qual resulta da incapacidade de estes conseguirem, em tempo razoável e com a qualidade mínima, assegurar o direito à informação e a uma resposta imediata e eficaz. O Estado não pode lidar com os problemas dos seus serviços de forma irresponsável ou leviana. Há aqui um paradigma que urge encarar, minimizar e resolver para bem de todos nós.

Citando alguns exemplos, que se aplicam a setores vitais do Estado como a saúde ou a educação, o que dizer do constante adiamento de cirurgias urgentes ou de uma oferta indigna de refeições escolares às nossas crianças e adolescentes? Por que razão estes setores não mereceram uma aposta clara e inequívoca por parte do Governo através do OE2019? Basta lembrar os aumentos orçamentais para estas áreas: 2,3% para a saúde no SNS, 1,3% para a educação, números bem abaixo da média do total de crescimento orçamental da despesa de 3,3%.

No que toca à defesa ou proteção civil, dossiês que incluem, entre outras, a segurança dos cidadãos e os incêndios, também sobram (maus) exemplos: o caso das armas de Tancos, a derrocada da estrada de Borba ou o motim ocorrido recentemente numa cadeia de Lisboa provam que o Estado se demite demasiadas vezes das suas funções…

E não há como fugir do problema crónico dos nossos transportes: o que dizer da ferrovia e da CP, que continua sem plano de ação para a liberalização que será uma realidade em 2019, e da TAP, detida em 50% pelo Estado, que não consegue garantir a qualidade do serviço em horários?

Já para não falar do banco 100% público, que apesar de capitalizado recentemente em quase cinco mil milhões de euros, prossegue alegremente com a sua política de encerramento de agências e desaparecimento em concelhos e freguesias, onde cumpria uma importantíssima função social junto da população mais velha e desfavorecida, ou dos correios, que mesmo mantendo um contrato público, não garante tempos de receção minimamente aceitáveis.

Perante este cenário, pergunto-me se a austeridade não estará de regresso, agora assumindo a forma de degradação de serviços públicos. Quem recorre a estes serviços – diria, sem risco de me enganar demasiado, que a generalidade da população portuguesa – está a sentir na pele esta inoperância crescente, fruto de opções políticas que ninguém consegue justificar. É triste e revoltante, mas da mesma forma que atinge todos os portugueses, deve obrigar todos a exigir melhores serviços públicos e, consequentemente, um Estado democrático melhor e mais justo.