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A educação é cada vez mais um negócio

Os pensadores presentes no 40º aniversário do Instituto Piaget alertam para os perigos que enfrenta o ensino universal, que vão desde a ‘fast education’ até aos excluídos da globalização. Está em curso uma “nova economia da educação”.
15 Dezembro 2019, 08h00

“É necessário repensar e regenerar o humanismo, assumindo a fragilidade dos seres humanos. Somos biologicamente iguais, mas somos todos diferentes. Temos de respeitar a diferença e reconhecer que o outro é igual a nós. A unidade é o tesouro da multiplicidade do Homem”.

Palavras de Edgar Morin que, aos 98 anos, não vacila perante aquilo que considera ser um dos pilares fundamentais da Humanidade. Por ocasião dos 40 anos da fundação do Instituto Piaget, em Almada, o pensador e humanista francês, um dos maiores especialistas mundiais em temas da educação, sublinha que o conhecimento do ser humano “se encontra em migalhas”, com os estudiosos a dedicarem-se ao estudo fragmentado do Homem. “Nunca houve tanta informação e nunca se soube tão pouco sobre o ser humano. Vivemos uma aventura de equilíbrio entre forças de união e forças de rutura”, alerta.

Edgar Morin é autor de mais de meia centena de livros, entre os quais a sua principal obra “La Méthode” (O Método), em seis volumes, e também se notabilizou como antropólogo, sociólogo e filósofo. Dá agora nome ao campus universitário de Almada do Instituto Piaget, onde lhe foi prestada homenagem no decorrer do “Encontro sobre Educação”.

Uma escola pioneira
“Há 40 anos que o Instituto Piaget tem tido um papel imprescindível no desenvolvimento da Educação em Portugal. Fomos pioneiros nesta área, quando as universidades dedicavam pouca importância à componente humana na formação integral dos seus alunos”, começa por afirmar António Oliveira Cruz, Presidente do Instituto Piaget, na sessão de abertura. “No Instituto Piaget nasceram vários conceitos que marcariam a pedagogia e o ensino nos países de língua portuguesa, e, hoje, não poderíamos estar mais orgulhosos, neste aniversário, em contar com os maiores pensadores contemporâneos para debater o estado e futuro da Educação, o pilar fundamental da democracia.”

O encontro de reflexão e debate promovido pelo Piaget trouxe a Almada outro nome grande da Sociologia mundial, o francês Jérôme Bindé, docente na École Normale Supérieure, diretor da Organização de Análise e Previsão da UNESCO, e principal coautor do relatório prospetivo internacional “Um Mundo Novo”, autor do conceito de “apartheid educativo” com que descreve a educação no mundo em que vivemos.

“A educação universal, pilar da democracia, tornou-se um negócio cada vez mais lucrativo e exclusivo das camadas mais ricas da população”, afirma. Explicando, depois, que há cada vez mais excluídos da globalização. “Esta triagem arruína a promessa de educação universal, para todos, e ao longo de toda a vida, que deveria ser a grande prioridade. A nova economia da educação está a criar uma ‘bolha’ que pode potenciar uma crise financeira mundial e já está na origem de muitos movimentos de contestação no mundo.”

Henri Atlan, filósofo, médico e biólogo, pioneiro da teoria da complexidade e autor de numerosos trabalhos no domínio da biologia celular, biofísica e inteligência artificial deixou a mensagem de que “a educação deveria ser a maior prioridade a nível público e privado, pois é através dela que se transmite a ordem social e se ensina o bem e a verdade.”

 

Descurar a imaginação
Entre as cerca de duas dezenas de oradores que participaram no encontro de dois dias, destaque para dois portugueses: Agostinho dos Reis Monteiro, professor do departamento de Educação da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e colaborador do Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, e David Rodrigues, Conselheiro Nacional de Educação.

Reis Monteiro lançou um desafio a professores e educadores: “O professor pode fazer muito mais do que faz, se não se resignar a ser apenas um funcionário público. A profissão de docente, tal como existe, não tem futuro. A educação é o maior poder e responsabilidade do mundo.”

David Rodrigues, por seu turno, criticou um sistema de aprendizagem que sobrevaloriza conhecimentos e palavras utilitárias em detrimento das emoções. “Nesta ‘fast education’ está tudo pronto a usar e descura-se a imaginação, o brincar, a previsão, o faz de conta, tão importantes para potenciar a autoconfiança, empatia, cidadania, solidariedade, dos mais jovens”. António Oliveira Cruz, o fundador do Instituto Piaget, mostrou preocupação idêntica: “Temos de repensar a infância, porque esta faz parte de nós, adultos, e só crescemos porque temos a infância dentro de nós”.

Edgar Morin, interpelando o público, questionou a divisão da vida do Homem “entre poesia e prosa”. A prosa é aquilo que o homem é obrigado a fazer. A poesia é tudo o que dá emoção e exaltação. E sintetiza: “na nossa civilização, as forças burocráticas impõem a prosa”. Fica o alerta.

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