Concluiu-se no passado domingo uma série de sufrágios eleitorais em França, com quatro idas às urnas por parte dos franceses em dois escassos meses: duas voltas das eleições presidenciais e duas voltas das eleições legislativas. Se as eleições presidenciais constituíram um verdadeiro terramoto político, que ameaçou destroçar os partidos políticos clássicos do sistema partidário francês, potenciando a eleição de um “Presidente-sem-Partido”, apoiado num movimento cívico que cortou transversalmente o centro político-partidário francês, relegando os candidatos “do sistema” para uma posição secundária, as eleições legislativas que se seguiram não só confirmaram esse terramoto, varrendo do mapa parlamentar tanto Republicanos como Socialistas e Comunistas (e até nacionalistas que, verdade se diga, nunca tiveram representação parlamentar de relevo), como determinaram a emergência de uma enorme maioria absoluta centrista, sob a sigla do LREM (La Republique em Marche). Maioria tão grande que, repare-se no pormenor, não encontrou na monumental Assembleia Nacional de Paris sala de apoio suficientemente grande para a receber e reunir todos os seus deputados.
Com um total de 350 deputados eleitos, num universo de 577 parlamentares, a maioria LREM/MODEM logrou alcançar a maior maioria absoluta conquistada por uma força política de suporte presidencial durante a vigência já longa da Constituição da V República. Ora, este resultado imenso obtido por Emmanuel Macron vai, por paradoxal que possa parecer, levantar-lhe um imenso problema, mas também conferir-lhe uma imensa oportunidade.
O imenso problema que esta imensa maioria absoluta vai começar por colocar ao seu líder passa, desde logo, por conseguir geri-la. Não será fácil nem será simples para o Presidente Macron gerir uma maioria que preenche 60% do hemiciclo parlamentar. É uma maioria grande em demasia e, portanto, atreita ou propícia a conter no seu seio o gérmen das suas próprias contradições, das suas próprias divisões. No fundo, de pagar o tributo da sua pluralidade.
Que não haja dúvidas. Formado em menos de um ano e tendo como polo agregador apenas a figura do Presidente da República recém-eleito, ninguém pode esperar da nova maioria absoluta que suportará o governo nomeado por Macron uma dose de coerência, de coesão doutrinária ou de harmonia ideológica. Surgindo originalmente como um movimento da sociedade civil, que evoluiu para partido político em função das necessidades, a sua justificação prendeu-se mais com a rejeição dos partidos clássicos do sistema do que com a afirmação de qualquer linha doutrinária, ideológica ou programática coerente e uniforme.
Porém, por outro lado, é inegável que esta imensa maioria representa também uma oportunidade única para o novo Presidente da República francesa introduzir na sociedade francesa a vasta agenda de reformas que se propôs introduzir. Posto é que, previamente, consiga resolver e solucionar a questão que atrás identificámos: que consiga controlar e “ter mão” na sua imensa maioria parlamentar. Macron, controlado este imenso grupo parlamentar, e beneficiando da legitimidade recém-recebida do eleitorado francês, dispõe de condições políticas e legislativas únicas e verdadeiramente ímpares de que, antes dele, nenhum outro Presidente da V República beneficiou ou conheceu.
É, por isso e a essa luz, uma verdadeira “era Macron” que se abre na política interna francesa. Mas também, e no que aqui agora nos interessa considerar, na própria política europeia. Durante anos a fio, a França (de Mitterrand) constituiu, com a Alemanha (do recém-falecido Helmut Kohl), o motor de arranque da própria União Europeia. Se a Alemanha aportava ao projeto europeu a força da sua pujança económica, a França dava-lhe a respeitabilidade da sua autoridade política. Atualmente a Alemanha continua forte economicamente, mas tem faltado quem aporte ao projeto europeu respeitabilidade política. A França de Macron pode voltar a desempenhar esse papel – assim o seu novo Presidente consiga realizar e concretizar a agenda europeia com base na qual também foi eleito. É, a todos os títulos, uma esperança renovada que surge no panorama político europeu. O tempo dirá se a saberá encarnar e protagonizar ou se, pelo contrário, se transformará em mais uma deceção para quem anseia voltar a ver estadistas, e não apenas governantes, ao leme da Europa.