O Governo de António Costa constituiu-se e funciona na base do apoio dos três partidos no Parlamento: Bloco, PCP e Verdes. Um dos grandes objectivos que os uniu, talvez o mais determinante, foi sem dúvida o da reposição de rendimentos, com a governação de Passos Coelho a ficar na História como o governo dos cortes, que apostou na redução da despesa pública cortando prioritariamente nos salários e pensões – rendimentos de quem trabalha ou trabalhou.

Não pode, contudo, esquecer-se que a prestação de serviços públicos mais eficientes e de melhor qualidade na saúde e no ensino é, também, uma das balizas de convergência entre os partidos que sustentam o actual Governo.

Esta teia de bons interesses que ligou os quatro partidos (PS, Bloco, PCP e Verdes) tem, economicamente, dado provas de sucesso, materializadas na criação de mais emprego, maior riqueza nacional e melhores contas públicas. Afinal, uma maior distribuição de rendimentos à população ao desencadear o consumo injecta dinheiro no circuito económico, com efeitos positivos directos e indirectos em toda a economia.

Há quem tente negar esta evidência, procurando torcer as coisas e clamando, que o país vai pelo caminho errado. Que a aposta deve ser nas exportações…

Nunca entendi porque não se pode apostar no consumo e nas exportações. Subentende-se que, quem vê contradições neste “mix”, olha para a óptica das exportações na base de salários baixos, uma tese cada vez mais obsoleta em países evoluídos. Reconheço que a reposição salarial, ou de rendimentos, tem de ser ponderada pelo grau da economia, mas não pode é deixar de ser praticada.

Os sindicatos da Função Pública estão activos na reivindicação pelos aumentos de vencimentos. E ainda bem. Os sindicatos precisam de unir vontades e fazer e negociar propostas fundamentadas.

Essas propostas devem, necessariamente, olhar para duas componentes: a inflação (simples reposição do poder de compra) e a restituição do poder de compra perdido ao longo do período de austeridade, a discutir tendo em conta as perspectivas de evolução económica do país. Como o Governo de António Costa tem por finalidade a reposição de rendimentos, pode dizer-se que as metas estão muito longe de atingidas.

1. Os activos da Função Pública

Um artigo do Expresso, de 21 de Abril de 2018, com um exercício exemplificativo que intitulou “salários no Estado com perdas acima de 20% desde 2010”, chama a atenção para este facto.

E assim temos pessoas na função pública (altos quadros) que, ainda hoje, recebem menos 25%, ou seja, cerca de 1.000 euros/mês a menos do que receberiam em 2010 aos preços actuais. Outras que perderam entre 20% e 23% do seu poder de compra, ou seja, estão a receber um valor real/mês inferior, a variar entre 426 e 850 euros. Descendo para as pessoas que recebem à volta de 1.000 euros líquidos/mês, em 2010 recebiam cerca de 1.300. Temos aqui perdas reais a repor, embora decorrentes de causas diversas.

É esta situação premente que vive a função pública no activo. Já viveu piores dias, é certo, quando ainda existia a sobretaxa que foi banida por este Governo, o que permitiu recuperar o subsídio de Natal e, em parte, o de férias. Mas muito está ainda por recuperar.

2. A família grisalha

Por família grisalha entende-se aqui os aposentados, pensionistas e reformados. Esta família, que conta muita gente, tem estado e está sempre em perda e ninguém fala dela. Ou melhor, no debate no Parlamento da última terça-feira, ouviu-se vagamente dizer que ia ser aumentada. Quando? Quanto? Sim, um dia…

O Governo está certamente a pensar na óptica da inflação e, eventualmente, nem atingindo sequer a sua própria taxa para este ano de 1,4%. A situação, porém, é em tudo, na prática, semelhante à dos funcionários públicos no activo. Há muitos membros desta família grisalha a ver a sua perda de rendimentos ao nível dos exemplos acima. Há hoje quem veja a sua pensão reduzida em 1.000 euros, há quem a veja reduzida em 700, 600, 500, 400, 300, 200, 100 euros/mês, etc. face a 2010.

Estes grisalhos merecem ser melhor tratados, até porque descontaram o que lhes foi determinado e andaram a trabalhar uma vida. Também merecem, por conseguinte, ver os seus rendimentos num processo de reposição. Uma vida mais digna é aquela a que têm direito. Os sindicatos e os partidos têm marginalizado (esquecido) bastante esta família, e só se vão lembrar dela no período eleitoral. Existe a APRe, mas não tem o peso nem a visibilidade dos sindicatos e, nesta matéria, não tem sido muito activa. Mas, então, por onde anda a justiça e equidade social deste país?

3. Poderão dizer-me: e os trabalhadores do sector privado?

Estão exactamente em situações semelhantes em termos de princípios. Muitos não tiveram qualquer aumento salarial nominal desde 2010. Estão em perda em termos de depreciação do valor do dinheiro que recebem de salários, e foram ainda afectados pelo aumento dos impostos de IRS, levado a cabo na anterior governação.

Assim, para todos há aqui uma linha de reposição de rendimentos que merece ser contemplada seriamente, segundo o objectivo global de redução da grande desigualdade social que ainda existe. Portugal é, aliás, um dos países europeus em que a participação dos rendimentos do trabalho no rendimento do país, face ao do capital, é das mais baixas da Europa. Usando uma linguagem comum, continua a ser a classe média – independentemente do que seja, prefiro as pessoas detentoras de rendimentos médios – as mais sacrificadas.

Assim, a muitas camadas desta classe, onde se situa uma parte importantíssima da família grisalha, oriunda dos quadros técnicos de todas as origens, ainda não se iniciou a reposição de rendimentos. E alguns até foram ligeiramente penalizados com o desdobramento dos escalões do IRS. É caso para se dizer, afinal os elevados rendimentos deste país continuam intocáveis e quem continua a suportar a canga são as pessoas que auferem rendimentos intermédios, pois o que recebem continua muito inferior ao que recebiam em 2010.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.