Há várias notícias na greve dos enfermeiros.

A primeira, mais importante, tem a ver com a duração da greve e o impacto que necessariamente tem nos doentes, nas pessoas cujos cuidados de saúde dependem em exclusivo do SNS. A luta nos blocos operatórios arrasta-se há demasiado tempo, cerca de três meses, sem resultados nas negociações – o que raramente é responsabilidade de apenas uma das partes. E, depois, há ainda a questão da forma: a greve, seletiva, não tem o formato tradicional. É uma guerrilha cirúrgica, construída com golpes precisos e bem desferidos. Uma luta do século XXI marginada por leis do século XX.

A segunda notícia resulta da atitude do Governo, deste Governo, nomeadamente do primeiro-ministro, que já utilizou palavras duras (“ilegal” e “absolutamente selvagem”) para definir uma greve contra a qual vai utilizar a requisição civil. Qualquer observador atento, mesmo pesada a dimensão de uma greve no setor da Saúde, sempre mais sensível, não  pode deixar de reconhecer que o Governo do PS está mais solto neste caso do que em outros, aqueles que são guiados pela CGTP e/ou UGT e ‘abençoados’ pelos dois partidos que o suportam no Parlamento, ou seja, PCP e BE. Parece que, para a geringonça, uma greve não marcada pela ideologia e não controlada pelas centrais tradicionais merece menos respeito. Sendo que, neste caso, o PS também classifica as reivindicações dos enfermeiros de maneira diferente do que fazia no passado, no tempo em que elas decorriam com Passos Coelho e a troika. É mais um exemplo da coerência da política ‘à portuguesa’ e deve ser assinalado.

A terceira notícia relacionada com este movimento, e que não desvalorizo, resulta da opacidade do original financiamento da greve, feita com fundos provenientes de uma plataforma de crowdfunding, pela qual se reuniram até agora, em duas fases, cerca de 780 mil euros para compensar os enfermeiros das perdas pessoais nos vencimentos. É necessário que este financiamento seja pública e devidamente escrutinado, muito para além dos pseudo-esclarecimentos alegadamente já fornecidos em termos gerais de percentagens entre montantes globais atribuídos a pessoas que se assumem e outras que preferem manter o anonimato.

É importante para a Democracia a promoção deste esclarecimento. Ser legal não chega. Temos, todos, de ter a certeza que o SNS, cada vez mais frágil, não está agora sob ataque exterior e a luta dos enfermeiros pelas progressões nas carreiras congeladas há 13 anos, melhores condições de trabalho e a consagração da categoria de enfermeiro-especialista – coisas mais ou menos justas consoante as opiniões – não está a ter o alto patrocínio de interesses privados da Saúde. Repare-se: já foram adiadas mais de seis mil cirurgias, a luta promete estender-se para além da meia dúzia de hospitais iniciais, em Porto, Lisboa, Coimbra e Setúbal, e tudo isso é demasiado relevante para não ser escrutinado.

Admitir que as greves em todos os setores pudessem ser patrocinadas por outros interesses antagónicos desse mesmo setor – na energia, nos transportes, no turismo, em qualquer campo do mundo empresarial e social – seria abrir a economia a uma guerra selvagem e deixar evoluir as greves para além do generoso objetivo inicial, que tem apenas a ver com o tratamento justo dos interesses do trabalhador. Há que investigar para saber. E, se for caso disso, tomar medidas.