Há uma reportagem, na última edição do “Semanário Sol”, assinada pelo jornalista Carlos Diogo Santos, que deveria ser presente aos 22 deputados que acreditam que o camarada Lula é um preso político. Sob o título de “MP brasileiro critica cooperação com Portugal”, a reportagem dá voz a três procuradores brasileiros que se queixam da forma como Lisboa, na prática, acolhe e protege alguns suspeitos da “Operação Lava Jato” – e, sobretudo, de uma forma mais geral, apontam Portugal como destino de eleição para delinquentes de colarinho branco. Tudo coisas que, pelo menos aparentemente, não merecem a atenção da maioria dos nossos ilustres parlamentares.

Em causa está a burocracia nacional, pelo menos. E isso é visível até do outro lado do Atlântico, num país que precisa de se mexer para libertar a economia das sanguessugas instaladas e gerar um clima favorável a uma melhor distribuição da riqueza.

Para mim, o caso Lula é a prova da emancipação da investigação no Brasil e da agilização dos seus métodos e consequências. O caso Armando Vara, como a impunidade dos homens que arrasaram a banca portuguesa e nos roubaram a todos cerca de 24 mil milhões de euros, é a prova do excesso de garantismo da nossa arquitetura jurídico-penal. Um problema. Na prática, o regime português, tantas vezes elogiado pelos seus beneficiários, pensa mais nos direitos dos criminosos e dos violadores das leis do que na defesa das vítimas – e é isso que os procuradores brasileiros, no fundo, fazem notar quando dizem que conseguem relações muito mais profícuas e rápidas com França ou Suíça.

É impossível ler este tipo de queixas, lamentos, seja o que for que lhe quisermos chamar, e não sorrir com a pretensa superioridade moral e técnica da Justiça portuguesa face à angolana, por exemplo, que recentemente aflorou a propósito do “caso Manuel Vicente”.

Ainda mais acima: não podemos assistir ao que se passa nas comunidades de língua portuguesa e não nos lembrarmos como toda esta miserável realidade política e social foi responsável por esse escândalo monumental da admissão da Guiné Equatorial, do ditador Teodoro Obiang, na CPLP. Uma vergonha a que Portugal vergou no tempo de Passos e Cavaco, com Portas como MNE e depois “vice” do governo: ter de ceder a Eduardo dos Santos e a Lula/Dilma para abrir as portas ao oitavo governante mais rico do mundo, presidente de um dos mais pobres países da Terra, situação que não mereceu nenhuma frente indignada de parlamentaristas portugueses.

Não tem de ser eternamente assim. Não é uma fatalidade ver a política e os meios judiciais do mundo que fala português entregues ao despudor e ao conluio com criminosos. Assinalo-o aqui, e agora, porque o facto não foi devidamente ressalvado nas notícias da recente cimeira da CPLP, para a qual Obiang partiu com pretensões de sair presidente e acabou por nem participar na cerimónia de encerramento, corroído pelo despeito. O Portugal de Marcelo e Costa, com a Angola de Lourenço e o Brasil de Temer consensualizaram uma solução que fez avançar Angola e evitar o escândalo internacional, a vergonha coletiva.

Volto ao ponto de partida. Numa altura em que a globalização da informação nos mostra um mundo pejado de dirigentes perigosos, é necessário encontrar formas de tornar mais saudáveis as nossas sociedades.

Confesso que a queixa dos procuradores brasileiros me incomoda, sobretudo agora que começo a ver melhoras na investigação feita em Portugal.