Qualquer artigo que se escreva sobre o andamento da investigação ao fenómeno da corrupção em Portugal acaba desatualizado antes da sua publicação. A política, o futebol, as autarquias, a atividade empresarial, os conhecidos traficantes de influências e os seus jovens aprendizes são de tal forma competentes que não deixam de fornecer matéria nova todos os dias, a todas as horas.

Os cerca de 1.300 inspetores da PJ, e os magistrados do MP que os apoiam, não dão para tanto movimento, como bem sabe o poder político que há décadas impõe as limitações de quadros e meios conhecidas. E com razão: a realidade confirma que quantos mais investigadores, mais competentes e melhor formados, mais crimes se investigam e se descobrem. Daí que um dia eu tenha ouvido proferir, da boca de um dos vários Condes de Abranhos que poluem a sociedade portuguesa, essa pilhéria digna de um romance de Eça: “É acabar com a PJ e com o MP e vão ver como se acaba com a corrupção”. O gargalhar alarve que se seguiu no círculo ‘notável’, onde estavam dois deputados, foi um dos primeiros gritos de alerta que pessoalmente recebi contra o país em que vivemos.

O estado a que isto chegou percebe-se quando um analista tão perspicaz quanto Marques Mendes começa, finalmente, a inserir o tema da corrupção nas suas homilias televisivas.

Não serei maçador com a declinação dos processos em curso. São demasiados para que não corresse o risco de me esquecer de algum importante. Refiro, apenas, os que foram conhecidos esta semana. O das viagens ao Euro’2016, que visa Luís Montenegro, Hugo Soares e Luís Campos Ferreira – curiosamente, os maiores vultos políticos que se opõem a Rui Rio no PSD; uma enésima visita ao Benfica e este emaranhado “Tutti Frutti” que traz para a ribalta a forma como o poder local, do PS e do PSD, se relaciona com os seus ‘militantes fornecedores de serviços’.

Repare-se como Portugal está corroído: o maior clube português, o Benfica, é alvo de cinco inquéritos-crime a decorrer. O partido com mais deputados, o PSD, é visado no comportamento de deputados e autarcas. Repito: só esta semana!

O que está a acontecer em Portugal não é um caso de geração espontânea. Há um cultura de compadrio, que desagua na corrupção, que é preciso extirpar. Por isso, comparo Joana Marques Vidal a um capitão de Abril. O que esta Senhora está a fazer é a libertar o aparelho de investigação de um domínio totalitário, resultado de dezenas de anos de controlo da máquina policial e judicial por parte do poder político e das ‘estruturas civis’ que lhe servem de braço armado. Todos sabemos que há uma irmandade anónima que contamina e faz pontes entre o mundo empresarial e político e os meios de investigação e judicial. O conglomerado de algumas lojas maçónicas, que funciona debaixo de um guarda-chuva de princípios que há muito atraiçoa a memória de pessoas decentes, como o recentemente falecido António Arnault, é um dos grandes males portugueses.

Não tenham dúvidas os cidadãos que está em curso uma tentativa para parar esta cruzada por um Portugal decente. A recondução ou não de Joana Marques Vidal como Procuradora-Geral será o momento em que vamos poder ajuizar, sem subterfúgios, o que querem os partidos políticos, e até o Presidente da República, para o nosso país. No estado a que chegámos, se Joana Marques Vidal não continuar no cargo (desde que também seja essa a sua vontade, claro) é porque terá triunfado no PS e no PSD –  os partidos que se entendem sempre e à vez antes que o governo de turno apresente o nome a Belém – a tese mais despudorada: a do ela ou nós. E se o regime está atento, os cidadãos não o devem estar menos.