… ou a gestão e o financiamento das SAD e das empresas.

A minha reação ao comportamento de vários membros dos órgãos sociais da sociedade cotada em bolsa Sporting Clube de Portugal – Futebol, SAD divide-se entre dois sentimentos claramente distintos.

Por um lado, a atenção dada a pessoas sem ética ou capacidade de gestão, com ausência de respeito pelo património desportivo, pelos sócios, acionistas e outros financiadores, parece-me claramente exagerada. A cobertura mediática, ao permitir que os órgãos de comunicação e os seus profissionais sejam insultados sem paralelo e de forma persistente ao longo de um período tão longo, não dignifica o jornalismo. E não informa, só confunde.

Esta visibilidade suportou, determinantemente, as reações dos atores que, com egocentrismo delirante, se sentiram com uma importância social que não têm e merecem ainda menos. Permitiram-lhe mobilizar ódios (a que chamam paixão). Ignorar comportamentos erráticos, contraditórios e infantis teria sido melhor para o Sporting, para o desporto e para a sociedade. A este sentimento, confesso, não é indiferente o facto de ter sido um modesto sócio/atleta há longos anos atrás, o que me liga à marca com grande emoção e que, consequentemente, todo este processo me dá agonia, perante a minha impotência.

Por outro lado, entender que uma empresa com cerca de 287 milhões de euros de ativo reportados com referência a janeiro, com receitas de 54 milhões de euros nos primeiros seis meses do exercício em curso e uma relação e visibilidade tão relevante na sociedade, pode ser posta em risco a esta velocidade, ativa um sentido de dever coletivo de intervenção, que creio ser partilhado por todos os que gostam de desporto e apreciam uma gestão ética e responsável, sejam ou não adeptos do Sporting.

Neste artigo, acabei por optar por elaborar sobre o segundo sentimento.

Os investidores não vão deixar de pensar muitas vezes antes de voltar a fazer operações de refinanciamento ou capitalização do Sporting e de todas as SAD em Portugal. Os próprios adeptos vão retrair-se quando forem chamados a dar contribuições, mesmo que seja a compra de bilhetes. Qualquer fornecedor consciente também se sente inseguro. O comportamento dos gestores e a incapacidade legal de pôr cobro a esta deterioração acelerada é reveladora de uma sociedade onde a litigância formal se sobrepõe à substância e transforma processos pessoais em crime contra o património de organizações e financiadores.

Desejo uma viragem radical na gestão do Sporting e da sua SAD, sinto que todos devemos contribuir para isso. Eu vou passar a ir ver o Sporting mais vezes. Mas o recente episódio negro na história do Sporting não pode terminar apenas com a alteração dos membros dos órgãos sociais. O Sporting deve garantir que estas situações não se repitam. Os sócios, acionistas e outros financiadores têm uma longa reflexão a fazer sobre como permitiram e potenciaram tudo isto. Como foi possível que sócios com uma ligação tão forte à organização e gestores bancários com tanta experiência deixassem que as organizações fossem sequestradas desta maneira?

É preciso agir, transformando a destruição numa lição exemplar de desincentivo perpétuo a tentativas semelhantes. É necessário mudar estatutos e garantir mecanismos de emergência, mas também exigir indemnizações por danos, mesmo que irreparáveis. As SAD e os clubes, como qualquer empresa, são dos seus acionistas e têm de ser geridos com ética e respeito pelos credores. Sem isso não existe desporto profissional ou financiamento à economia.

As projeções de junho do Banco de Portugal para a nossa economia revelam que o peso do investimento no PIB continua, e continuará, relevantemente abaixo da média da zona euro. A carência de capital e de investimento privado é uma limitação muito antiga da economia portuguesa, e as marcas da crise são aqui ainda muito profundas.

Que relação tem isto com o Sporting? Existem demasiados gestores responsáveis por cicatrizes muito fundas na credibilidade das organizações portugueses (empresas, governos, reguladores, bancos). Essas chagas durão muito tempo. Os casos do Sporting e o acumular de indícios e investigações de corrupção no futebol em muitos outras marcas só aprofunda este problema e mancha os êxitos desportivos alcançados e potenciais.

É um autêntico case study. As suas lições e as reações que aguardo dos vários stakeholders serão mais um contributo do Sporting para o desporto e, também, para as regras de governo e do direito económico, societário e desportivo em Portugal. Impõe-se uma lição exemplar.