Depois da greve dos enfermeiros, o divórcio entre os grandes grupos de hospitais privados e o subsistema de saúde dos funcionários públicos (a ADSE) faz com que a discussão sobre o acesso aos cuidados de saúde tenha um grande potencial de influência sobre os resultados das próximas eleições.

Vamos viver um tempo de assunção de convicções políticas temperadas pela necessidade do curto prazo. E, curiosamente, ou talvez não, os partidos de direita parecem mais à vontade nesta discussão – que, tendo um foco próximo ligado ao dinheiro (a prazos, preços e compromissos), é mais dialética, profunda e sensível à esquerda porque entronca na visão sobre o Serviço Nacional de Saúde (SNS).

António Arnault, “pai” do SNS, falecido há menos de um ano, chegou a pronunciar-se contra o já então discutido alargamento da ADSE aos filhos, ascendentes e cônjugues dos funcionários públicos que trabalhassem no privado. Dizia ele que isso seria “uma forma ‘sub-reptícia e matreira’ de privatizar a saúde”. E dizia-o mesmo sabendo que esse alargamento é mal visto pelas redes de seguradoras que, obviamente, não querem ver reduzido o seu campo de potenciais clientes.

Essa visão, sobretudo na atual fase de grave crise de financiamento do SNS, onde as listas de espera para intervenções chegam facilmente a um ano, ganhou apoios no interior do PS. Álvaro Beleza, médico e ex-dirigente socialista com António José Seguro, chegou, em 2013, a defender a extinção da ADSE para que o Estado tivesse melhores condições para satisfazer as exigências do SNS. Foi uma declaração imediatamente definida como tendo sido proferida “a título pessoal” face ao impacto no relacionamento do PS com os (votos dos) funcionários públicos.

Mesmo a nível financeiro, e face ao atual desempenho positivo da ADSE, tanto PCP como o Bloco de Esquerda defenderam, em sede da discussão dos últimos Orçamentos do Estado, a redução dos descontos dos funcionários públicos para este subsistema de 3,5% para 3% – o que, segundo eles, originaria uma perda de receitas que seria compensada com a recuperação de rendimentos perdidos durante o ajustamento supervisionado pela troika. Ambos os partidos nunca mostraram entusiasmo com as virtudes da ADSE na ligação entre o funcionalismo público e o seu acesso aos cuidados privados da Saúde.

Ou seja, existem à esquerda, sobretudo no interior do PS, visões que se chocam sobre a ADSE e que derivam da forma como se olha para a promoção e recuperação da qualidade do SNS.

Já à direita, campo em que Santana Lopes defendeu recentemente, durante o primeiro congresso da Aliança, que todos os portugueses “devem ter o seu seguro de saúde” (sem dizer como seria possível esse extraordinário milagre…) a questão é mais pacífica. A ADSE, nascida durante o Estado Novo com a intenção de dar competitividade ao recrutamento para a função pública, não se discute, até porque representa cerca de 20% das receitas dos privados.

Na política nada acontece por acaso. Mas, mesmo que esta vasta discussão na Saúde apenas tivesse surgido por mera e pacífica conjugação astral, os partidos políticos vão ter de se definir perante mais de um milhão de portugueses, funcionários públicos e seus familiares. Sobretudo à volta das grandes cidades, onde a posição dos grandes hospitais afeta a ADSE de forma mais intensa, esta definição é importante e promete interferir com o sentido de voto.