Encosto-me e faço uma breve viagem ao passado, a um tempo não muito longínquo, em que o iPhone ainda não tinha sido lançado, os smartwatchs eram apenas vistos nos filmes de ficção cientifica e a Wii era a consola mais vendida do mundo.

Desde então, a tecnologia e a forma de comunicar evoluiu imenso. Tornámo-nos mais ágeis e mais informados. Onde quer que estejamos a conectividade à Rede existe, e com ela uma panóplia de ferramentas fantástica.

Lembro-me que, na altura, era fácil surpreender alguém com um email matinal: enviava-se à noite e, de manhã, quando se chegava ao escritório, lá estava ele, pronto a roubar um olhar sorridente. Não havia apps para ler o correio de madrugada, telemóveis com apitos e alertas que nos roubam o descanso, nem tão-pouco a sofreguidão pelas partilhas nas redes sociais que hoje existe.

As fotografias eram partilhadas em papel. Contavam-se histórias e estórias fantásticas a olhar para uma fotografia desfocada ou para um rolo que se estragava antes da revelação. Havia até pudor quando se pegava na máquina. Eram estranhos que manuseavam as nossas fotografias antes de as podermos ver.

Quando se enviava uma SMS ficávamos sem saber se a dita tinha sido lida, e nem sequer tínhamos a certeza de a ter enviado em condições. Eram 160 caracteres e mais nada. Nem emojis, nem gifs nem efeitos de cor e tipos de letra engraçados. Carregava-se no “enviar” e esperava-se que tudo corresse bem. O tempo de espera pela resposta criava angústia e um nó no estômago, que atingia proporções quase orgásmicas quando se ouvia o som da mensagem de resposta no telemóvel.

Hoje em dia temos tantas ferramentas que é muito difícil apanhar alguém desprevenido ou ficarmos na incerteza de um envio falhado. O Whatsapp diz quando é que estivemos online, o Skype muda de estado, os SMS enviam relatórios e os emails leem-se no pulso. Não conseguimos desligar da Internet e da tecnologia e usamo-la como se tivesse existido desde sempre.

Surpreender alguém tornou-se uma tarefa hercúlea, recorremos a drones para entregar flores, robôs para enviar presentes, fazemos montagens fotográficas que deixariam Salvador Dalí boquiaberto e afastámo-nos da simplicidade das coisas. Inovar é bom, e devemos utilizar sempre o que temos à mão. Mas é tanto que muitas vezes pecamos por excesso. Se inovar é bom, o simples é óptimo.

Acredito que um dia voltaremos às cartas de amor, qual Pessoa para a sua Ofélia, escritas numa caligrafia desajeitada por mãos desabituadas a pegar numa esferográfica. Acredito que voltaremos a descobrir que existem selos e que as moradas usam código-postal e não “arroba qualquer coisa”. Acredito que voltaremos a surpreender e a ser surpreendidos com a simplicidade das coisas.

Há dez anos vi um filme fantástico de Bollywood precisamente sobre isso, a simplicidade das coisas. Estava acompanhado da mulher com quem hoje partilho a minha vida. De lá para cá, surpreendi-a com cartas, emails e outras tantas mensagens nas mais diferentes plataformas e tecnologias. Dez anos depois escrevo-lhe estas linhas. Porque os tempos mudaram, mas o meu amor por ela não.