Após três anos de luta judicial, o “Washington Post” conseguiu publicar recentemente o relatório efetuado pelo Gabinete do Inspetor Especial para a Reconstrução do Afeganistão, que contém centenas de entrevistas confidenciais a personalidades importantes diretamente envolvidas na guerra do Afeganistão. O conteúdo das respostas, dadas sob o manto da confidencialidade, contrastam com o discurso oficial das autoridades americanas, ou, se quisermos, com as narrativas daquilo que agora pomposamente se apelida de “Comunicação Estratégica”.

As entrevistas dão conta de vários factos preocupantes envolvendo os responsáveis políticos e militares americanos. Entre outros, a manipulação das estatísticas para dar à opinião pública a ilusão de que guerra estava a ser ganha; a falta de fiabilidade das sondagens para reforçar a ideia de que se estavam a fazer as coisas certas; o fechar os olhos à corrupção generalizada entre as autoridades afegãs, permitindo o roubo da ajuda americana com total impunidade, etc. Procurava-se, assim, passar para a opinião pública imagens coloridas que se sabia serem falsas, para esconder as evidências sobre a evolução de uma guerra cujo resultado se sabia não ser feliz. John Sopko, o responsável pelo relatório, foi muito explícito ao afirmar que “o povo americano tem sido constantemente enganado”.

A par destes relatos, os entrevistados também comentaram a falta de clareza estratégica e a dificuldade em atingir os objetivos estabelecidos. Alguns foram mais longe e acusaram os altos responsáveis de falta de esclarecimento sobre o que se estava a fazer no Afeganistão. As autoridades americanas não faltaram à verdade apenas ao seu povo, mas também aos seus aliados e parceiros com quem combateram lado a lado, e que tinham igualmente de justificar as razões da participação na guerra às suas opiniões públicas.

A história está infelizmente cheia de episódios semelhantes. Os Afghanistan Papers trazem-nos à memória os célebres Pentagon Papers, tornados públicos em 1971, que contavam algo similar, mas relativamente à guerra do Vietname. Também o secretário de defesa Robert McNamara e o presidente Lyndon Johnson mentiram sistematicamente sobre o futuro da Guerra no Vietname, não só ao povo como também ao Congresso.

Estará mais presente na memória o logro das armas de destruição massiva para justificar a desastrosa guerra do Iraque, cujas nefastas consequências estão bem vivas, como é, por exemplo, a existência do Estado Islâmico. Poderíamos acrescentar muitos outros casos. Não seria necessário regressar ao afundamento do Maine (1898) para justificar a guerra hispano-americana que marcou o início da dominação americana no hemisfério ocidental, ou aos acontecimentos na baía de Tonquim (1964), para justificar a continuação da guerra do Vietname. A guerra na antiga Jugoslávia, em particular na Bósnia, foi fértil em exemplos semelhantes.

Julgávamos que as opiniões públicas das democracias liberais, ao contrário das dos estados autoritários, estariam salvaguardas e imunes a este tipo de mentiras e logros, a este tipo de exercícios de “Comunicação Estratégica” com matizes de operações psicológicas em que participam alguns segmentos da comunicação social e da Academia. Infelizmente não estão.