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Afinal, os taxistas já não são os maiores inimigos da Uber

A Uber tem tido um crescimento exponencial desde que foi criada, mas a expansão tem sido acompanhada por um mar crescente de polémicas. Será que ainda há mãos para guiar o volante da Uber de regresso ao bom caminho?
  • Kai Pfaffenbach/Reuters
8 Julho 2017, 11h50

Travis Kalanick, um dos fundadores e principais acionistas da Uber, demitiu-se do cargo de CEO da plataforma tecnológica de mobilidade. A ex-start up criada há menos de dez anos nunca saiu da ribalta, muitas vezes pelas piores razões, mas agora está órfã. E enfrenta querelas na justiça de vários países, a que se juntam prejuízos consecutivos. A ameaça externa dos taxistas dissipou-se e transferiu-se para o interior desta empresa, até há pouco tempo considerada exemplar no novo capitalismo do século XXI e avaliada em mais de 53 mil milhões de euros. Será que ainda há mãos para guiar o volante da Uber de regresso ao bom caminho?

Com a Uber, é sempre assim. Tudo se passa com grande estrondo, de preferência com fortes pitadas de polémica. Repetiu-se, mais uma vez, na semana passada, quando a empresa surpreendeu novamente o Mundo, desta feita não pelas melhores razões. O fundador – e, supostamente, um dos maiores acionistas – da plataforma tecnológica de mobilidade, Travis Kalanick, anunciou a sua demissão de CEO da empresa. E até ao momento, não foi ainda encontrado qualquer sucessor para esta ex-start up fundada há menos de dez anos.

Se a Uber já faz correr muita tinta num pachorrento e monótono dia, com esta decisão, para muitos inesperada e ainda mal explicada de Travis Kalanick, o turbilhão mediático ganhou dimensões estratosféricas. E existem duas correntes explicativas dominantes para esta demissão. Os mais crentes no guru defendem-no, invocando razões pessoais, uma vez que a mãe de Talanick faleceu há cerca de três semanas, vítima de um acidente de viação. Por seu turno, os mais críticos justificam que esta era uma saída inevitável face aos ininterruptos escândalos em que a empresa tem estado envolvida um pouco por todo o Mundo. A que acrescem os largos milhões de prejuízos que tem acumulado ano após ano e que terão indisposto os respetivos acionistas. Sejam eles quais forem, mesmo que os rumores apontem a Google e a Goldman Sachs, além dos fundadores da empresa, Travis Kalanick e Garrett Camp, como alguns dos maiores donos da Uber.

Em nota enviada ao The New York Times, Kalanick explica-se: “eu amo a Uber mais do que nada neste Mundo e neste momento difícil da minha vida pessoal aceitei o pedido dos investidores para me afastar para que a Uber volte a crescer e não se desvie em mais uma disputa”. Recorrendo a uma análise de conteúdo nossa, até pode ser que as razões pessoais tenham estado na base desta demissão, mas a declaração do fundador da Uber admite em simultâneo que a saída foi exigida pelos acionistas, que a empresa está em queda e que tem sido esgotante o caminho das refregas judiciais e das controvérsias públicas em que a Uber mergulhou em quase todos os mercados em que opera.

E há uma coisa que se consolida agora como certa: com esta crise aberta no seio de uma das mais badaladas rising stars do novo capitalismo mundial, da vanguarda da tecnologia e da inovação em serviços de mobilidade, os taxistas já não podem ser encarados como o grande inimigo da Uber. As grandes dificuldades parecem mesmo brotar a partir de casa e não se vislumbra qual o antídoto para este abalo sísmico e quem terá a sageza e a coragem para o administrar.

E o incómodo é incontornável. Ainda esta semana, Rui Bento, diretor-geral da Uber em Portugal, não disfarçou a dificuldade que a saída de Travis Kalanick coloca ao futuro da empresa e dos seus colaboradores. “A demissão do Travis não foi encarada de ânimo leve. Esta decisão é uma saída. Não olhamos para ela de ânimo leve”, admitiu este responsável num encontro com jornalistas que teve lugar na sede da empresa em Lisboa, na passada terça-feira.
“A visão da Uber é muito do Travis. Foi uma decisão tomada num momento muito difícil para a sua vida pessoal, em que ele pôs, mais uma vez, a Uber à frente”, sublinhou Rui Bento.

O diretor-geral da Uber Portugal pretende agora que seja escolhido um novo líder para esta plataforma digital de mobilidade, “que nos consiga colocar no caminho da liderança”, acrescentando que “esperamos que esse novo líder crie condições para continuarmos a crescer”. Mas questionado sobre o nome que preferia para assumir a liderança da empresa, Rui Bento esquivou-se: “prefiro não especular sobre quem prefiro à frente da Uber”.

A Uber tem tido um crescimento exponencial desde que foi criada, mas a expansão tem sido acompanhada por um mar crescente de polémicas, desde conflitos com taxistas em vários países do Mundo, incluindo Portugal, acusações de más práticas de gestão, assédio sexual e política machista de recursos humanos, entre outras denúncias. Além de acumular milhões e milhões de prejuízos em anos a fio.

Ainda há poucos meses a empresa foi avaliada em 60 mil milhões de dólares (cerca de 53,6 mil milhões de euros ao câmbio atual). Não se sabe qual será o valor real da empresa no momento atual, agora que está sem liderança executiva, mas há uma questão que começa a afligir os investidores e os utentes deste serviço inovador: será que ainda há mãos para guiar o volante da Uber de volta ao bom caminho? Uma incógnita que só o tempo poderá responder.

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