No momento mais extraordinário da semana, Teixeira dos Santos, sem se rir, repetiu na Assembleia da República aquilo que, a crer em várias fugas de informação, já dissera ao juiz Ivo Rosa durante um depoimento no âmbito da Operação Marquês, no passado mês de maio (mas não dissera aos investigadores do MP): tinha sido dele, enquanto ministro das Finanças do XVII governo constitucional, a ideia de nomear Armando Vara para a administração da CGD, tendo, então, de enfrentar as reticências de José Sócrates.

Vá lá que, desta vez, ao menos, o ex-ministro não repetiu o que terá dito no Tribunal Central: que Sócrates ficou “preocupado”. Agora, num cenário mais público, só acrescentou que Sócrates o terá “alertado” para as reações. Felizmente, não se opôs à nomeação do íntimo amigo, companheiro de décadas. Valha-nos isso.

Obviamente, esse foi, para mim, o momento certo para desligar o aparelho de televisão. Há coisas mais interessantes a fazer na vida do que ver transformar matéria perfeita para uma obra de Stephen King em guião de um filme da Walt Disney. Conheci suficientemente bem os meandros desses anos para continuar a assistir em direto ao referido depoimento. Quanto mais não fosse, publiquei a primeira notícia sobre essa surpreendente nomeação de Armando Vara.

Ao contrário das incontáveis amnésias constatadas por aí, recordo bem o encadeado de contactos que me permitiu chegar à notícia. E, sobretudo, lembro-me perfeitamente da conversa com a ‘fonte’ segura e o que me disse, onde disse, quando disse. Adiante, porque Teixeira dos Santos não será o último homem a fechar os olhos perante o lado perverso de uma conjuntura com a qual, num preciso e delicado momento, tenha a ganhar, e da qual dependa o seu bem-estar, as suas ambições e a sua carreira.

A atual comissão de inquérito à CGD está a produzir um extraordinário retrato de um grupo de pessoas normalmente referido como fazendo parte da ‘elite’ portuguesa. Os depoimentos sucedem-se, de Armando Vara a Vítor Constâncio, passando por outros protagonistas menos conhecidos, e são sempre vagos, incoerentes, opinativos, falhos de objetividade, quando não mesmo retratos de caráter. Vendo isto, podemos todos intuir melhor as razões pelas quais a banca já custou a Portugal mais de 17 mil milhões de euros em 12 anos, do roubo do BPN à recapitalização da CGD, passando pelo processo BES/Novo Banco e outros menores, como o Banif.

Li depois, passada a dose de repugnância instantânea, que Teixeira dos Santos também terá dito, a propósito de banqueiros, governantes e demais políticos implicados no processo da CGD: “Todos falhámos”. Pareceu-me o lamento possível, o desabafo de um homem arrependido, que não tendo feito nada de criminoso sabe muito bem que colaborou no desenvolvimento de um processo lamentável de poder pessoal, o qual desaguou num enorme prejuízo para as finanças públicas.

Este miserável folhetim da CGD, no seu todo e em todos os seus episódios,  deveria ajudar a desenvolver em Portugal a consciência da necessidade de mudar os principais atores políticos, económicos e sociais dos últimos 20 anos. Mas não estou certo que isso vá acontecer. Basta ver como estão, e onde estão, muitos dos homens e mulheres que, como Teixeira dos Santos, falharam na CGD. Alguns, demasiados, foram recompensados.