Pablo Picasso terá dito um dia que os milagres existem: quando tomamos banho não nos dissolvemos na água como um torrão de açúcar. Os EUA têm uma taxa de desemprego de 3,9%, a mais baixa em 18 anos, e em março o número de pessoas inscritas no subsídio de desemprego atingiu um mínimo de 48 anos. Mas uma parte boa da história é que não há ainda tensões inflacionistas, o que tem permitido que a enorme injeção de liquidez feita durante a crise seja progressivamente absorvida (o tapering) evitando o tapering tantrum (como o de 2013) que acontece com alterações bruscas.

Durante quanto tempo vai ser possível manter o crescimento económico sem inflação? Com esta taxa é fácil argumentar que a economia americana está para além do pleno emprego – a mais baixa de sempre foi 2,5% em 1953. Como é isto consistente com uma inflação de 2,4%? A velha curva de Phillips morreu de vez?

A taxa de desemprego em pleno emprego (a NAIRU) não é o metro padrão, fixa e imutável. Há trabalhadores que estão empregados a tempo parcial mas que gostariam de trabalhar a tempo inteiro. E desaparecem trabalhadores das estatísticas porque desistem de procurar trabalho (a taxa de participação caiu uma décima em abril). Portanto, pode haver folga para contratar mesmo com menos de 4% de desemprego. Mas com projeções que ela pode cair para 3,6% num ano, é apostar demasiado. As taxas de juro poderão ter de subir mais depressa se a FED tiver de fazer um unwind dos quantitative easing mais rápido que o antecipado.

Na Europa a situação não é igual à dos EUA. Os salários crescem 1,5%, metade dos americanos, e os trabalhadores dão mais valor ao lazer, trabalhando menos horas. A produtividade e o crédito também crescem menos que nos EUA. A inflação é, portanto mais baixa e está-se ainda longe do momento de acabar com os estímulos à economia.

Entretanto, o dólar tem ganho força nos mercados cambiais, acrescentando aos riscos de guerra comercial. E a conjugação de taxas de juro em alta, um dólar mais forte, maior instabilidade nos mercados de capitais e a subida do preço do petróleo (50% num ano) é um cocktail perigoso para os países emergentes pela pressão sobre as suas moedas e ativos. A Argentina, às voltas com uma inflação de 25%, gastou cinco mil milhões de dólares de reservas e teve que aumentar as taxas de juro três vezes, de 27,25% para 40%, para travar a queda do peso. A libra turca caiu 10% desde o início do ano e o rublo 9%. Portanto, vamos todos estar de olhos postos nos EUA e na Reserva federal nos próximos tempos. Como cantava Mike Rutherford, “all I need is a miracle”.