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Air France-KLM: Turbulência ameaça destino da companhia aérea francesa

Demissões na gestão, greves e avultados prejuízos financeiros. A situação da companhia aérea franco-holandesa é uma dor de cabeça para o presidente Emmanuel Macron e a sobrevivência da empresa poderá estar em risco.
18 Agosto 2018, 18h00

A companhia aérea franco holandesa Air France-KLM enfrenta novamente um período conturbado. Depois de ter ficado sem CEO em maio, a empresa ainda não conseguiu dar resposta aos protestos dos trabalhadores e, esta semana, reportou prejuízos na ordem dos 159 milhões de euros, relativos aos primeiros seis meses do ano (que comparam com um lucro de 450 milhões de euros registado no período homólogo). A situação tem preocupado o Governo francês (detentor de 14,3% da companhia), que vê a imagem de dinamismo económico e modernismo que quer transmitir ao exterior ser desmentida pelas sucessivas greves e falhas na gestão de uma empresa que já foi símbolo de grande prestígio em França.

Emmanuel Macron chegou a presidente com uma agenda reformista e modernizadora para o país, mas a situação que encontrou na Air France-KLM está a ser um verdadeiro teste para a sua determinação política. Apesar dos esforços da administração para reformular a companhia aérea, esta continua refém das imposições dos sindicatos e de uma concorrência cada vez mais feroz. Entre abril e junho, a empresa perdeu 260 milhões de euros, o que justificou com os protestos dos trabalhadores. A Air France-KLM estima que a maratona de greves, que se arrasta desde fevereiro, tenha custado até agora à empresa mais de 300 milhões de euros, aos quais acrescem outros 25 milhões de euros por cada dia de protestos.

Depois de mais de uma década sem pagar dividendos, a Air France-KLM viu o desempenho das suas contas passar de prejuízos a lucros no primeiro semestre de 2016. A tendência de crescimento manteve-se até ao final do ano passado, impulsionada pelo aumento de passageiros, o aprofundamento de parcerias estratégicas e as injeções de capital da Delta Airlines e da China Eastern Airlines. Com as ações da empresa a registarem uma valorização de 160% em bolsa, em 2017, os trabalhadores decidiram reclamar um aumento salarial, após anos de contenção.

As negociações entre os trabalhadores e a administração da Air France-KLM terminaram sem consenso e, como resultado, a primeira greve foi convocada para dia 22 de fevereiro. Entre as reinvidicações dos sindicatos estava (e ainda está) o aumento salarial de 5,1%. O então CEO da Air France-KLM, Jean-Marc Janaillac, foi peremptório em afirmar que a companhia aérea ainda não estava em condições de poder arcar com tal generosidade e propôs, como alternativa, um aumento salarial de 7% ao longo de quatro anos: 2% este ano e outros 5% de forma progressiva nos próximos três anos. A proposta foi rejeitada pelos sindicatos, com 55,44% dos votos contra, e as greves continuaram. Entre fevereiro e junho, somaram-se 15 dias de paralisação, que obrigaram ao cancelamento de vários de voos e deixaram centenas de passageiros em terra. Sem mãos a medir, Janaillac viu-se obrigado a renunciar ao cargo, tal como já tinha prometido antes.

Desde então, a liderança da transportadora franco-holandesa foi assumida pela chairman interina da Air France-KLM, Anne-Marie Couderc, que espera que uma nova liderança totalmente operacional possa ocupar assento na transportadora em setembro. O diretor financeiro da multinacional de energia e transportes Veolia, Philippe Capron, foi um dos nomes apontados para substituir Janaillac, mas já veio anunciar que está fora da corrida. Por enquanto, ainda não são conhecidos outros nomes para ocupar a liderança do grupo, mas independentemente de quem assuma o cargo, a situação da companhia aérea é crítica.

Além do impacto das greves, as contas da Air France-KLM vão ser afetadas pela fatura do combustível que, devido à subida do preço do barril de petróleo, se prevê que venha a aumentar cerca de 350 milhões de euros face ao ano passado. A pesar negativamente nos cofres da empresa poderá estar também a subida do euro face às restantes divisas, com a Air France a estimar uma perda potencial de cerca de 100 milhões de euros.

Pouco depois da demissão de Jean-Marc Janaillac, o ministro das Finanças francês, Bruno Le Maire, veio apelar ao sentido de responsabilidade de todos os trabalhadores da Air France-KLM. “Sejam responsáveis, a sobrevivência da Air France está em risco”, afirmou, argumentando que as tripulações, pessoal de terra, pilotos e sindicatos estão a pedir “aumentos salariais injustificados” e incompatíveis com as atuais condições financeiras da empresa. O governante instou ainda os funcionários a retomarem o diálogo com a administração da empresa e a redobrarem esforços para aumentar a sua competitividade, pois de outra forma a companhia aérea não terá outro destino que não “desaparecer”. “O Estado não está aqui para pagar as dívidas da empresa”, sublinhou.

 

Sensação de déjà-vu

O colapso de companhias aéreas como a alemã Air Berlin, a italiana Alitalia e a britânica Monarch Airlines servem de exemplo para mostrar que as empresas de transporte aéreo pouco competitivas não têm grande futuro se não souberem reinventar-se. O caso da Alitalia é um exemplo paradigmático para Emmanuel Macron. A transportadora italiana deu início ao processo de insolvência em abril do ano passado, depois de os trabalhadores terem rejeitado o plano de reorganização judicial da empresa. Esta era a última tentativa de salvar a companhia aérea, depois de esgotadas todas as opções de recuperação apresentadas. O caso deu origem ao chamado “síndrome de Alitalia”, referente ao fenómeno em que as  ações dos funcionários podem derrubar a administração de uma empresa.

O impasse na Air France-KLM levou também a companhia hoteleira Accor a desistir da compra de uma participação minoritária na transportadora. A Accor considerou que “não estavam reunidas as condições necessárias” para que a compra se concretizasse. A situação traz à memória o caso da Air Berlin, que após a saída de um dos seus acionistas (neste caso, maioritário, a Etihad Airways), foi forçada a anunciar a falência. Embora a Accor estivesse a negociar apenas uma participação minoritária, esta desistência veio fechar a porta à entrada de mais capital.

O Estado francês é o maior acionista individual da Air France-KLM, à frente da Delta Airlines e da China Eastern Airlines, ambas com 8,80% da empresa. No ano passado, a empresa transportou 98,7 milhões de passageiros.

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