O extremismo está em alta um pouco pelo mundo, muito simplesmente porque é fácil, não procura o compromisso, apenas o ruído, pega em um ou dois temas do momento e faz disso cavalo de batalha, contra tudo e contra todos, incluindo a lógica e o bom senso, sendo uma das faces visíveis do fundamentalismo político os “ambientalistas” incrustados em partidos.

Para esses há uma questão que domina a actualidade, acabe-se com o gás e o petróleo, ignorando que a estrutura económica mundial assenta nos hidrocarbonetos. Os ambientalistas não querem petróleo, mas não explicam como sustentar toda a cadeia de produção e de transporte que gera e leva produtos essenciais até ao consumidor, ou como se deslocariam os biliões de trabalhadores de e para o trabalho. Talvez de carroça? Ah, não, será de carros eléctricos ou de transportes públicos eléctricos…?

Analisemos então essa premissa com dados concretos em vez de propaganda política: serão hoje os eléctricos assim tão “verdes” ou sequer viáveis? Começando pela logística, os veículos eléctricos (VE) debatem-se com problemas sérios ao nível da autonomia, abastecimento e rede de abastecimentos, e em particular ao nível da produção de baterias.

Só em 2017 foram produzidos cerca de 97 milhões de veículos (OICA), ligeiros e comerciais, com a China a liderar a produção com quase 30 milhões de todo o tipo de veículos. Já segundo a Statista, existiam em 2017 menos de dois milhões de VE em circulação e, de acordo com um estudo da Bloomberg, em 2021 haverá capacidade para 10 milhões de veículos/ano com baterias de 60 kW/hora.

Ou seja, a mudança de paradigma está ainda muito longe de poder ser exequível em termos logísticos por falta de capacidade de produção de baterias, não se sabendo sequer se será viável sustentar no futuro um mercado só de eléctricos com 100 milhões de baterias/ano, sabendo-se que 60% do cobalto utilizado hoje na sua produção provém apenas de um país, a República Democrática do Congo. Mas há mais, Jun Liu, cientista de materiais do Departamento de Energia dos EUA admite que será preciso uma década para conseguir duplicar a autonomia das baterias de lítio.

Ao nível económico os obstáculos aos VE também são hoje assinaláveis, pois não obstante o preço das baterias ter caído cerca de 80% desde 2010 (McKinsey), ainda são caras, equivalendo sensivelmente a cerca de 40% do custo de fabrico de um veículo eléctrico. Esse custo poderá levar uma década até ser equiparável ao de um motor de combustão interna, ou seja, para já não é para todos. Isto para não falar no custo absurdo da electricidade em Portugal, derivado dos mais de 60% de impostos que compõem o seu preço.

Por fim, falta abordar o racional ecológico, começando desde logo pelo tempo de vida útil das baterias que, por enquanto, se estima poderem ultrapassar os 100.000km ou, dependendo da forma como se gere o carregamento das mesmas, atingir os 300.000km. Dito isto imagine no futuro, daqui a 20 ou 30 anos, a poluição criada por 50 ou 100 milhões de baterias que todos os anos ficarão inoperacionais, se não houver capacidade instalada para a sua reciclagem.

Mas a maior falha actual dos VE advém exactamente da sua maior promessa: reduzir as emissões de CO2. Ora, segundo o estudo da Bloomberg que já referi, os principais promitentes países produtores de baterias como a China, Tailândia, Alemanha e Polónia dependem bastante do carvão como fonte de produção de energia. Um carro com uma bateria fabricada nesses países, que pode atingir os 500kg, origina mais 74% de CO2 do que um carro “convencional” na sua produção.

Por exemplo, este estudo encomendado pela Swedish Transport Administration e pela Swedish Energy Agency, refere que para fabricar uma bateria de um Tesla Model S de 100kW, são libertadas 17,5 toneladas de CO2, o equivalente a 15 viagens de avião de ida a volta, de um passageiro, entre Nova Iorque e Estocolmo. Repito, uma bateria.

Acresce que nesses e noutros países que dependem de matérias-primas mais poluentes como o carvão para gerar electricidade, os VE podem precisar de dez anos para igualar o montante de CO2 que um diesel eficiente produz a fazer 150.000km, isto porque na prática o CO2 pode não ser produzido pela combustão do diesel no carro, mas é produzido a gerar a electricidade que alimenta os VE.

Pessoalmente defendo os eléctricos, mas não vou deixar-me enredar por uma lógica de obsessão por esse paradigma sem que as condições para a sua exequibilidade existam, ao mesmo tempo que se castigam fiscalmente os hidrocarbonetos, como se começa a fazer sentir na perseguição ao gasóleo. Acima de tudo, é uma irresponsabilidade social porque retira poder de compra aos menos afortunados, que só podem comprar usados ou carros novos mais baratos.

Antes de mais, importa massificar a geração de electricidade limpa para depois se poder tirar partido dos benefícios dos VE, porque como está é uma falácia – iremos lançar muito mais CO2 para a atmosfera no curto prazo para lançarmos menos no futuro.

É preciso debater com bom senso e sem fundamentalismos, com os pés bem assentes na terra e com capacidade de compromisso porque hoje os VE são caros e de produção limitada, no entanto já vários países têm metas inferiores a dez anos para proibir os diesel. Por outro lado, condicionar a produção de petróleo aumentará de sobremaneira os custos de inúmeros produtos seus derivados, alguns essenciais, como o plástico. Por vezes esquecemo-nos e não damos valor, mas olhe à sua volta, a começar pela sua casa. O que faria sem plástico na sua vida?

Como nota final, e segundo a Agência Internacional de Energia, o futuro da economia mundial será eléctrico, mas ainda assim sujo. O investimento em geração de electricidade aumentou mais do que no gás/petróleo, contudo o investimento nas renováveis recuou –mais concretamente 7% – e estima-se que continue a cair.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.