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“Ambiente político não é amigo dos negócios e do espírito empreendedor”

Paulo Melo diz que a indústria têxtil e do vestuário ainda têm de ultrapassar constrangimentos para conseguirem competir. E que a inovação é fundamental para garantir capacidade no futuro.
23 Setembro 2018, 13h00

A indústria têxtil e do vestuário portuguesa enfrentou desafios significativos, nos últimos anos, com o aumento da concorrência internacional. Os desafios para o setor não se extinguiram, renovaram-se e, se as ameaças vêm de fora, da capacidade de enfrentar a concorrência, os constrangimentos vêm de dentro. Em entrevista ao Jornal_Económico, o presidente da ATP – Associação Têxtil e Vestuário de Portugal, Paulo Melo, aponta os problemas relacionados com custos de contexto e aponta caminhos a seguir, com um objetivo final: aposta em produtos de maior valor acrescentado.

 

A indústria portuguesa vive hoje uma fase de grandes desafios, os quais se estendem naturalmente a este setor. Que desafios se têm revelado oportunidades que o setor não pode perder?

Os desafios são o conseguir uma melhor perceção externa do país, aproveitar a melhoria de imagem para aumentar a nossa presença internacional baseada no valor da nossa oferta, a qual deve assentar na inovação, na criatividade, no design e na intensidade de serviço. O foco, agora, deve ser a margem e não a quantidade do que vendemos.

 

E que desafios se revelaram em barreiras mais difíceis de ultrapassar?

Como desafios, aponto, primeiro, a burocracia interna que perdura em Portugal, mas também o ambiente político que não é amigo dos negócios, do espírito empreendedor e do papel dos empresários como promotor do desenvolvimento económico e social.

Ainda vivemos um conjunto de constrangimentos à competitividade das empresas: pois, mesmo quando focados no valor, a competitividade dos custos é sempre relevante, especialmente quando falamos de indústria transformadora.

Dou-lhe exemplos:_os aumentos dos custos laborais, desfasados da produtividade; [os custos] da energia, mais cara do que a dos nossos concorrentes; e o acesso sempre difícil e custoso das PME ao capital para a gestão corrente e ao investimento, são obstáculos claros a um maior e sustentado crescimento da indústria em Portugal, incluindo o nosso sector.

 

Neste contexto, que peso assume particularmente a novação no desenvolvimento do setor?

A inovação é fundamental. Sem inovação, não há diferenciação dos produtos e serviços; e sem diferenciação estamos a lutar no campeonato do preço, o qual não podemos nunca ganhar.

 

Que papel tem desempenhado este sector na chamada Revolução 4.0?

O setor têxtil e vestuário tem inúmeros exemplos na adoção de tecnologias que caracterizam a indústria 4.0, em especial nos subsetores a montante da fileira, onde a automação é muito elevada. Existem também bons exemplos na confeção, com a introdução de complexos sistemas de gestão e monitorização da atividade, ainda com forte envolvimento da mão-de-obra, mas onde os sensores e as tecnologias de informação estão a criar novos modelos de negócio: industrialização da costumização, ou seja, tornar a personalização da produção de peças num processo industrial.

 

Que impacto está a ter a digitalização nos processos produtivos, por um lado, e por outro, na gestão

dos recursos humanos?

A digitalização dos processos produtivos cobre toda a atividade que envolve a organização. Pode libertar mão-de-obra em processos mais básicos e repetitivos, onde se gera pouco valor, para criar outros empregos em áreas onde se exigem mais qualificações e criatividade, fazendo ascender as empresas e o que realizam na cadeia de valor.

 

Que planos estão traçados para responder aos desafios da formação e das competências digitais?

A aposta na economia digital está no plano estratégico deste sector até 2020 e será certamente central naquilo que se projetará até 2030. Dizemos que a indústria do têxtil e vestuário portuguesa será digital ou não será, o que determinará que as empresas do sector realizem grandes investimentos neste domínio, não apenas na modernização do seu layout industrial, cada vez mais assente na digitalização, mas igualmente na comunicação com os seus fornecedores e clientes, assim como com o mercado em geral.

 

Será esta revolução a saída para aliviar dossiês fundamentais para esta indústria como os custos com o trabalho e com a energia?

Será, em parte, pois muitos dos custos que impendem sobre a indústria resultam essencialmente das políticas públicas e da fiscalidade. Nunca enjeitamos melhorar a condição salarial dos nossos trabalhadores, até porque se torna um elemento de motivação para a produtividade, mas quando temos um Estado que continuamente aumenta as cargas sociais sobre o trabalho – empregador e empregado –, penalizando, por exemplo, o trabalho suplementar – um trabalhador que faça horas suplementares fica penalizado pois pode mudar de escalão de IRS, pagando mais impostos –, não parece que haja qualquer política de estímulo à melhoria da condição económica e social dos trabalhadores, ao contrário do que o Governo insiste em dizer. O mesmo se passa com a energia, pois quase 50% do que vem na fatura são taxas e taxinhas, tornando a indústria, neste domínio, menos competitiva do que a dos nossos concorrentes.

 

Que papéis terão de assumir, Estado e investimento privado, para que a indústria têxtil se mantenha próspera?

No Estado, é preciso reduzir a fiscalidade e a burocracia; manter os apoios às empresas no domínio da internacionalização e da inovação; criar instrumentos efetivos de apoio ao financiamento, como, por exemplo, o IFD realmente atuar como apoio às empresas, substituindo ou complementando a atividade bancária tradicional.

Nas empresas, temos de investir na modernização tecnológica, na inovação dos produtos, na diversificação de atividades – com maior valor acrescentado –, na formação dos quadros e na internacionalização do negócio.

 

No plano da internacionalização, como vê o posicionamento das empresas do setor?

A indústria do têxtil e do vestuário é fortemente internacionalizada, porque 80% do que produzimos vai para os mercados internacionais. E a quota aumentou 14 pontos entre 2009 e os nossos dias. Há um esforço constante para estarmos em feiras e missões. Nos mercados tradicionais e emergentes. É um esforço enorme e constante, mas não há outra forma. Hoje a indústria do têxtil e do vestuário portuguesa é reconhecida como uma referência mundial em produtos de nicho, alto valor, inovadores tecnologicamente e assistida por muito serviço. O made in Portugal, na indústria do têxtil e do vestuário, acrescenta valor.

 

Em que devem assentar as suas estratégias de internacionalização?

Devem assentar em programas sólidos e consistentes, de âmbito coletivo, como os que a ATP e a sua participada ASM [Associação Selectiva Moda] promovem há mais de 15 anos, permitindo às empresas, especialmente PME, estarem presentes nas principais feiras e certames internacionais. Foi fundamental para, após a crise, e mesmo durante o período de resgate em Portugal, as empresas terem crescido sempre em termos de exportações, apesar de existirem menos no sector e a mão-de-obra se ter reduzido entre 2001 e 2013 mais de 120 mil postos de trabalho.

 

Como interpreta os valores das exportações atingidos este ano?

Continuamos a crescer, embora menos, revelando alterações no clima de negócios mundial a que temos de estar atentos. A Espanha e o Reino Unido perdem quota de mercado, embora por razões diversas, enquanto a Itália e a França ganham. É uma distribuição mais equilibrada. É também sinal de exportação de produtos de maior valor acrescentado para mercados mais exigentes. Preocupação, contudo, com a Espanha, dada a dependência de muitas empresas do grupo Inditex, que está em clara mudança de modelo de negócio e de alteração de política de “sourcing”, optando por fornecedores de custo mais baixo e aproveitando oportunisticamente as desvalorizações das moedas nacionais, como é o caso da Turquia.

Que mercados externos assumem maior relevância neste momento?

Espanha, que mantém mais de 30% de quota; a França e a Itália que aumentaram, como referi; a Alemanha e o Reino Unido. Os Estados Unidos posicionam-se como o primeiro grande destino das exportações para fora da Europa, dando sinais contraditórios: ora crescem 15% num ano ora estagnam nos meses seguintes, mercê das políticas comerciais da Administração Trump.

 

Para que outros mercados deve o sector olhar e com que abordagem deve avançar?

Na Europa, [é preciso] distribuir melhor as quotas: menos Espanha, mais Alemanha, França, Itália e países nórdicos. Insistir nos EUA. Apostar na China e outros países asiáticos de consumo de produtos sofisticados e de alto valor, como a Coreia do Sul e o Japão. Recuperar Angola. Estar atento ao Brasil, caso se venha a assinar, como se espera até final do ano, o acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosur.

 

Como perspetiva a evolução da indústria têxtil na próxima década?

Vejo a evolução da indústria têxtil com um crescimento moderado e sustentado, com uma maior aposta em produtos de valor acrescentado, baseados na inovação tecnológica e moda; também com uma maior diversificação para têxteis de alta tecnicidade; com maior desenvolvimento do têxtil a montante que a jusante [confecção], por dificuldades em encontrar mão-de-obra.

Vejo a continuação na aposta na internacionalização das empresas e na diversificação de mercado e equilíbrio de quotas.

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