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Amnistia Internacional: “Portugal não é apenas um país de trânsito. É também destino de tráfico de seres humanos”

A situação em Odemira não é exclusiva à região. Ao JE, Pedro A. Neto frisa que “o fenómeno de tráfico de seres humanos com destino a Portugal tem como primeira razão a exploração de trabalho em contexto agrícola”, porém, há outras regiões do Alentejo litoral a ter conta, nomeadamente, “no Oeste e na Lezíria”.
  • Mário Luz/Lusa
6 Maio 2021, 08h15

A situação do trabalho precário, exploratório e as suspeitas de tráfico de seres humanos em Odemira trouxeram para o debate público a realidade dos trabalhadores imigrantes não só no sector agrícola, como nos da construção civil ou restauração — uma situação que é de conhecimento público (quer local, quer nacional), governamental e internacional há vários anos, tendo a própria Comissão Europeia deixado os seus alertas.

“A situação de Odemira tornou-se mediática agora devido aos surtos de Covid-19, mas convém recordar que estas pessoas não têm Covid-19 por serem migrantes, mas por viverem e trabalharem em condições de miséria”, aponta o diretor-executivo da Amnistia Internacional Portugal, ao Jornal Económico.

Na semana passada, face ao elevado número de novos casos de Covid-19 em Odemira, Alentejo, maioritariamente entre trabalhadores agrícolas imigrantes, as autoridades sanitárias viram-se obrigadas a decretar uma cerca sanitária em duas freguesias do concelho. Pelo menos 22 pessoas foram identificadas por não terem condições mínimas para permanecerem no seu alojamento em Odemira.

Segue-se a testagem de todas estas pessoas, com os positivos assintomáticos a serem realojados na Pousada da Juventude de Almograve, uma das freguesias alvo de cerca sanitária. A residência de estudantes de Odemira é outra opção, tal como o complexo turístico Zmar, que tem sido alvo de crítica por parte dos proprietários que têm casas no parque, e para onde irão as pessoas que têm de fazer isolamento profilático.

Pedro A. Neto explica que “estas pessoas vivem e trabalham em condições muito precárias, propícias à propagação do vírus SARS-Cov-2, que acontece mais rapidamente quando o distanciamento não está assegurado”, uma situação que acontece uma vez que estes trabalhadores vivem em espaços de habitação sobrelotados, sejam em apartamentos arrendados, sejam em contentores.

“Em 2019, há uma resolução de Conselho de Ministros que autoriza a que estas pessoas vivam em contentores, de modo temporário, afastados das populações, dos aglomerados habitacionais, dos serviços, dos espaços públicos, das escolas e centros de saúde, longe do escrutínio público e à mercê de intermediários sem escrúpulos que facilmente se podem aproveitar da condição deslocada destas pessoas, que as torna mais vulneráveis, e assim abusar das mesmas”, frisa o responsável.

Tráfico de seres humanos não é exclusivo a Odemira

A situação em Odemira não é exclusiva à região. O responsável da ONG internacional frisa que “o fenómeno de tráfico de seres humanos com destino a Portugal tem como primeira razão a exploração de trabalho em contexto agrícola”, porém, há outras regiões do Alentejo litoral a ter conta. Nomeadamente “no Oeste e na Lezíria”.

E embora o trabalho agrícola seja o principal motivo que leva ao tráfico de seres humanos, Pedro A. Neto ressalva que o trabalho sexual surge como segunda causa. “Portugal não é apenas um país de trânsito. É também país de destino quando falamos de tráfico de seres humanos”, frisa.

Para combater a precariedade laboral e assegurar os direitos do trabalho, é necessário capacitar e dar as ferramentas necessárias aos reguladores e autoridades responsáveis, nomeadamente a Autoridade das Condições do Trabalho (ACT) e a Polícia Judiciária (PJ).

“[É necessário] investigar como é que estas pessoas chegam a Portugal (quem as contratou, em que condições vão trabalhar e viver, se vão usufruir do seu salário por inteiro, se existem intermediários a beneficiar desta situação”, aponta o diretor-executivo, sendo ainda relevante assegurar que as “empresas garantam condições de trabalho e habitação a estas pessoas e que tenham este encargo presente quando orçamentam um plano de negócio”. E caso não tenham condições para tal, “o Governo pode promover políticas públicas e incentivos fiscais para que isso se possa cumprir sem que as empresas percam competitividade”.

A nível internacional, as preocupações da Amnistia Internacional mantém-se. A organização urge que os países “não tenham vantagens competitivas à custa da exploração de pessoas, quer sob a forma de trabalho muito mal pago, quer sob a forma de trabalho escravo e de tráfico de seres humanos ou outras razões abusivas de direitos humanos”.

“Por vezes comprar barato, consegue-se à custa de sangue”, critica. “Não podemos aceitar que o nosso país adquira ou produza bens económicos à custa da exploração e da destruição da dignidade da pessoa humana”.

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