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Andrew Cuomo: Nova-iorquino fora de horas

A devoção do governador do Estado de Nova Iorque parece ser a “sua” cidade. Mas a forma como está a defender os cidadãos nestes tempos tremendamente exigentes de combate à pandemia da Covid-19 podem colocar o político de 62 anos na linha da frente do Partido Democrata. Um caso a seguir nos próximos meses.
5 Abril 2020, 21h00

Pelas piores razões, Andrew Cuomo é por estes dias um dos norte-americanos mais escutados do planeta: com a Covid-19 a esmagar a população de Nova Iorque (o seu irmãoChris, jornalista da CNN, é um dos infetados), o democrata de 62 anos, governador do Estado, tem-se desdobrado em iniciativas que possam contribuir para minimizar o sofrimento dos que vivem naquela parte do canto superior direito do mapa dos Estados Unidos. Adepto confesso do programa de saúde de Barack Obama – que acabou por não conseguir puxar toda a população para dentro do sistema antes de Donald Trump o ter começado a torpedear, pelo que cerca de 30 milhões de norte-americanos continuam a não ter acesso um sistema de saúde minimamente aceitável –, Cuomo é uma das personagens mais visíveis da luta contra a pandemia do lado de lá do Atlântico.

Profundamente ligado à atividade política regional – é governador de Nova Iorque desde novembro de 2010, depois de ter feito a sua carreira em áreas sempre ligadas à região – Cuomo ainda tem o benefício do ADN: o seu pai, Mario Cuomo, foi governador daquele Estado por três mandatos.

Com o Estado de Nova Iorque a ser a região do país mais afetada pela pandemia e com a cidade de Nova Iorque a mais fustigada por mortes causadas pela Covid-19, Andrew Cuomo, apesar de toda a sensibilidade que tem demonstrado, tem-se destacado por atos e omissões (possivelmente por pensamentos mas não por palavras) numa velada oposição ao presidente Donald Trump. Com a Casa Branca a insistir em manter um perigoso equilíbrio entre confinamento e desastre económico, Cuomo parece ter optado pela saúde dos concidadãos: o confinamento é para ser cumprido e depois se verá como se toma conta dos que se salvarem.

Descendente de italianos por via paterna e materna, o advogado Andrew Cuomo é um defensor das minorias, crítico da lei das armas, engajado com o casamento entre pessoas do mesmo sexo e com a despenalização do aborto e empenhado na melhoria da vida dos mais desfavorecidos, está bem longe do conservadorismo social que atravessa a nomenclatura que vai liderando o seu partido.

Apesar de ter algum protagonismo político nacional quando Bill Clinton foi o inquilino democrata da Casa Branca – foi secretário do Departamento de Habitação e Desenvolvimento Urbano entre 1997 e 2001 –, Andrew parece ter ‘saído ao pai’ no que se refere a outro tipo de protagonismo: Mario Cuomo estava em posição muito vantajosa para concorrer às primárias do seu partido com vista à indigitação como candidato presidencial em 1988 e 1992, mas recusou sempre dar o passo.

Apesar da visibilidade que o cargo de governador lhe dá no seio da política interna norte-americana, Andrew Cuomo nunca quis atravessar a fronteira para essa espécie de estrelato que são as primárias do partido – mesmo tendo sido indiciado como um possível candidato à nomeação para o Senado. Mas, para alguns observadores, isso pode estar a mudar: a sua presença na linha da frente da luta contra a pandemia pode vir a colocar o advogado numa posição de relevo no quadro do partido – numa altura em que o topo da hierarquia dos democratas (aquela onde estão os mais fortes candidatos a disputar a Casa Branca com Trump) está cheia de homens que já passaram a idade da reforma há um bom par de anos (ou mesmo dois ou três bons pares de anos).

Sobre esta matéria, Andrew Cuomo não parece sequer estar disposto a ponderar: não lhe é conhecida nenhuma intervenção que o possa colocar no interior do renhido grupo dos ‘presidenciáveis’. Nem sequer tem usado o combate à pandemia como uma posição de sniper com a mira apontada para a Casa Branca.

Tão pouco ponderado é que nem sequer hesita quando, sabendo que as suas decisões mais polémicas podem gerar falta de consenso entre os ‘seus’ eleitores, decide avançar com leis que considera serem justas. O caso mais recente sucedeu há cerca de um ano. Por essa altura, Cuomo viu as sondagens sobre a sua popularidade baterem no fundo: depois de anos bem posicionado, o seu índice de aprovação caiu para 43%, o mais baixo do seu mandato como governador, ao mesmo tempo que 50% dos nova-iorquinos disseram que desaprovavam as suas decisões. Sobre o que eram as decisões? Sobre a expansão do direito ao aborto e sobre medidas mais rigorosas relativas à posse de armas.

Cuomo sabia bem que essa seria a consequência da assinatura das leis naquelas matérias, mas não hesitou em assiná-las, dando mostras de que não está ali para perder tempo com as contas do deve e do haver políticos sempre que tem de tomar uma decisão que os norte-americanos possam considerar mais extrema, radical ou, pior ainda, progressista.

Os nova-iorquinos sabem que é isto que dele devem esperar: o politicamente correto fica em casa ou, melhor ainda, é esmigalhado quando isso se torna necessário. Como sucedeu em 2009, quando, ainda procurador de Nova Iorque, Cuomo decidiu investir contra a United Homeless Organization, uma organização sem fins lucrativos de ajuda aos mais necessitados (uma área mais ou menos sacro-santa em quase todo o lado). Cuomo acabaria por provar que a entidade era apenas uma fachada para os seus promotores, Stephen Riley e Christine Walker, financiarem os seus próprios gastos e um tribunal acabou por fechar definitivamente a piedosa instituição.

Agora, a acreditar em alguns mentideros, é possível que Andrew Cuomo esteja a equacionar sair do seu casulo nova-iorquino e arriscar – ou ao menos a pensar em arriscar – umas escaladas mais sólidas pela hierarquia dos democratas acima. Cuomo já disse que ‘não’, o que costuma ser indício mais que suficiente para se acreditar que ‘sim’. Um assunto a manter observação nos próximos meses.

Artigo publicado no Jornal Económico de 03-04-2020. Para ler a edição completa, aceda aqui ao JE Leitor

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