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Angola: eleições históricas em clima de tensão

País vai a votos na quarta-feira e questiona se o fim da era Eduardo dos Santos é real ou apenas formal. Analistas antevêem vitória do MPLA e risco de contestação nos bairros mais pobres.
  • Siphiwe Sibeko/Reuters
20 Agosto 2017, 10h32

José Eduardo dos Santos deixa o cargo de Presidente após 38 anos a comandar os destinos de Angola. Um novo capítulo na história do país tem início esta quarta-feira, dia 23, quando milhares de cidadãos se dirigirem às urnas para escolher o sucessor do líder histórico. A incerteza quanto ao futuro paira no ar.

Num país ainda a sarar as feridas da guerra civil e consequências da crise petrolífera dos últimos anos, a palavra democracia adquire um peso acrescido. A alteração da figura central do Estado pode não acarretar grandes resultados práticos no curto prazo, mas está carregada de simbolismo.

“O dia 24 de agosto será o início da era Pós-Eduardismo”, diz Paulo Guilherme, analista do Africa Monitor. “Foram quase 38 anos de poder crescentemente concentrado numa pessoa só, em detrimento de um partido que José Eduardo dos Santos foi dominando – e que, em certa medida, vai continuar, no curto prazo, a dominar. Vamos entrar num período de maior volatilidade e imprevisibilidade”, acrescenta.

Ainda assim, abandonar a função não significa afastar-se do poder e Dos Santos vai continuar a ser líder do MPLA. A forma como poderá confundir-se o desempenho deste cargo com o que agora deixa ainda não está esclarecida, mas os analistas prevêem que a influência do líder angolano continuará a ser grande.

Se o MPLA se mantiver no poder, uma nova presidência trará alterações reais nas políticas? “Na essência, o regime do MPLA será o mesmo. Portanto não é de esperar, no curto prazo, uma mudança de políticas “motu proprio”. Contudo, acredito que, com o arrastar dos baixos preços do petróleo e a crise na banca a alastrar, será inevitável pedir assistência ao FMI – algo que já esteve em cima da mesa, mas que foi descartado com o aproximar do período eleitoral. Além de muito necessário apoio financeiro, o FMI dará “cobertura” para reformas que, mesmo dentro do regime, já se admite serem necessárias. Aí sim, teremos políticas novas”, defende Paulo Guilherme.

A nova realidade política, com maior pressão sobre a família de José Eduardo dos Santos, será um processo gradual, permanentemente negociado no interior do regime. Em vez da “família”, vamos ter “famílias” do poder”, argumenta o analista.

A transição de poder não foi deixada ao acaso por José Eduardo dos Santos, que preparou um caminho que lhe garanta que o rumo que quis traçar para o país não cairá por terra. O candidato do MPLA é uma figura próxima: João Lourenço, vice-presidente do partido, foi o escolhido.

“A vitória do MPLA não está em causa, mas será importante saber se consegue a maioria qualificada que João Lourenço vem pedindo – o que lhe permitiria rever a Constituição sem ter de negociar com a oposição – ou se se fica pela maioria absoluta”, realça Paulo Guilherme. O analista recorda que o atual Presidente ganhou sempre por margens muito acima da maioria qualificada.

A vitória do novo candidato do partido do poder será assim “um primeiro “teste” à sua capacidade de afirmação perante os círculos mais próximos da presidência: “Ficar pela maioria absoluta será um ónus, ficar pela maioria simples seria embaraçoso, podendo mesmo significar que estamos perante um líder a prazo”, diz.

Alex Vines, analista da Chatham House, um think tank de assuntos internacionais, antevê mudanças graduais no cenáriom político angolano. “É provável que as eleições sejam seguidas em 2017 por um congresso extraordinário do MPLA, no qual José Eduardo dos Santos também desistirá da presidência do MPLA”, considera.

O ainda líder do partido “planeou cuidadosamente a reforma , a pensão, e financiamento do seu escritório e também se protege de qualquer futura política hostil”, acrescenta. Quanto a João Lourenço, acredita introduzirá mudanças de política, dado o “stresse atual da economia angolana”.

Descontentamento

Apesar de haver condições para uma ‘transição suave’, não pode eliminar-se o risco de haver contestação aos resultados eleitorais, caso o MPLA ganhe. Paulo Guilherme assinala as crescentes críticas ao partido nas redes sociais, embora este tenha uma vantagem “esmagadora” sobre a oposição. Antever de que forma se irá refletir este cenário no resultado eleitoral é difícil, até porque “dados do Banco Mundial apontam que menos de 1/8 da população tem acesso à internet”, refere o analista.

Ainda assim, “sente-se no dia a dia um descontentamento entre os cidadãos de rendimentos baixos e médios, e as acções de campanha da oposição têm tido grande adesão e entusiasmo”. “Caso o resultado seja de uma vitória esmagadora para o MPLA, será difícil conter a frustração desta gente que tem saído às ruas pela “mudança”, como responsáveis de partidos da oposição admitem em privado.

O risco é maior nos bairros pobres de Luanda (musseques): Benguela, Lundas e Cabinda. O atual presidente vai passar a ser designado por “presidente emérito” e terá uma pensão vitalícia no valor de 90% do salário atual, tendo direito a protecção pessoal, imunidade e um lugar no protocolo do Estado. Continuará a ser figura central na exclusiva elite do poder angolano.

Artigo publicado na edição digital do Jornal Económico. Assine aqui para ter acesso aos nossos conteúdos em primeira mão.

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