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António Saraiva: “Não podemos continuar a carregar as duas malas da dívida”

Em entrevista ao programa “Primeira Pessoa”, o palco das grandes entrevistas do Jornal Económico (com Shrikesh Laxmidas, Diretor Adjunto do Jornal Económico e o jornalista João Marcelino), António Saraiva, presidente da CIP falou do caminho que Portugal deve seguir para se tornar mais competitivo.
  • Cristina Bernardo
12 Março 2019, 07h42

Estamos em ano de eleições e, ao mesmo tempo, temos assistido a muitas greves em vários setores. Como é que a CIP vê estes movimentos dos sindicatos?

Encaramos com alguma preocupação porque se há fator que os empresários (ou a economia de um modo geral) apreciam é a estabilidade assente em fatores concretos. Mas de facto, a estabilidade governativa, legislativa, fiscal, e de facto esta estabilidade laboral têm estado ameaçadas por estas permanentes contestações.

Não nos podemos esquecer que estas [preocupações] resultam de expectativas que foram criadas, na minha perspetiva de forma errada. Ao colocarem-se as expectativas muito elevadas e não correspondendo às mesmas (porque o país não suportaria essas satisfações de expectativas), cria-se alguma frustração.

Foi prometido ‘tudo a todos’, está a dar-se alguma coisa a alguns, e essa frustração das elevadas expectativas está a provocar estes movimentos que penso que vão continuar. Vemos com preocupação porque está a pôr em causa esta estabilidade e pode, eventualmente, colocar num radar negativo a atratividade de investimento que, se pensarmos no que se viu nos portos e na Auto-Europa, isto acaba por dar sinais de instabilidade que são sempre negativos.

Quais são as greves que considera piores para a economia do país, que poderão ter já impacto no ano de abrandamento da economia ?

Tudo o que mexa em setores que estão em desenvolvimento e a atrair investimento. No cluster automóvel, veja-se a questão dos portos e do efeito de contaminação que se está a tentar levar para outros portos para que provoque o caos à logística e à entrada de componentes para a produção dos vários equipamentos ou à saída para as nossas exportações. Tudo o que afeta o funcionamento destes clusters, que estão hoje a captar investimento para desenvolver a economia, são de recear.

Nos portos, se não houver equilíbrio das partes e moderação, poderemos ter novamente uma crise de tensões sociais que ninguém deseja e, por isso, devem-se antecipar soluções.

Essa greve, e subsequentemente a dos enfermeiros, mostrou que o Governo se colocou numa posição difícil porque criou essas expectativas e agora está a ser acusado de ser combativo por esses trabalhadores. Qual é a receita que o Governo pode pedir e seguir no ano de eleições para conseguir a estabilidade nesse campo?

Não tenho muitas ilusões em pensar que neste ano de eleições vai existir moderação e bom senso de alguns grupos profissionais ou de alguns setores,  porque os atos eleitorais vão provocar que os partidos, desde logo aqueles com correias de transmissão sindical, como é o caso do PCP, com a prova de vida que vão ter de dar, vão ter a fasquia elevada e penso que não é o ano ideal para desanuviar tensões a esse nível.

A verdade é que tivemos um período de muita austeridade e era necessário provocar um alívio; assim, essa reposição de rendimentos, desde que corretamente feita e com rigor, era obviamente desejável.

Ao fim ao cabo, somos nós que através dos nossos impostos estamos a pagar excessos que se venham a cometer, quer na despesa quer em reivindicações que, pela sua dimensão, possam ser absurdas.

 

Podem encontrar despesa noutro lado.

Essa tem sido a nossa exigência na CIP. Essa redução na despesa passa por uma reforma do Estado e da administração pública, dotando-a de mais eficácia e eficiência mas, lamentavelmente, legislatura após legislatura, não tem existido a coragem política, quer dos dois partidos que têm estado no ‘arco do poder’, que mesmo com maiorias parlamentares, não as conseguem fazer e essa é uma das reformas que está por fazer.

Estou a ouvi-lo e parece que está de acordo com Pedro Passos Coelho que recentemente dizia que Portugal estava a cometer os mesmos erros, que o Estado estava a engordar e que seria prenecioso para a economia portuguesa. É isso?

Não li, mas admito que Pedro Passos Coelho possa ter dito isso.

O que ele disse foi que se estava a cometer os mesmos erros.

Não me choca estar de acordo com esta ou aquela opinião, seja de esquerda ou direita, desde que seja correta e tenham análises corretas da situação da economia. De facto, estamos a cometer os mesmos erros. Apesar de uma redução de funcionários públicos (menos 70 mil funcionários públicos), e apesar de termos os juros e um esforço de pagamento dos juros da dívida mais baixo, do que tivemos com o tempo da troika, a verdade é que, mesmo assim, aumentamos a dívida. Há qualquer coisa nesta equação que não consigo entender, porque não sou economista, mas de facto numa análise muito superficial, se há menos despesa (aquelas que referi) e mesmo assim a dívida vai aumentando… há coisas por fazer e erros que foram cometidos.

Mais à frente voltaremos à dívida. Diga-me duas ou três das reformas que seriam absolutamente necessárias para conferir outra capacidade à economia portuguesa.

São aquelas que já referi, sendo as variáveis-chave para o desenvolvimento da nossa economia: o aumento das exportações e o acarinhamento do investimento, isso iria fazer-se através de uma política fiscal estável e com uma taxa mais reduzida, e por isso retomando a reforma do IRC que o Governo anterior tinha lançado, a reforma gradual do IRC.

Que devia ter ido mais longe?

Deveria ter ido mais longe. Não deveria ter sido suspensa, como lamentavelmente foi por este Governo. A manutenção da redução gradual da taxa de IRC e a previsibilidade fiscal; porque tão importante para os investidores como a carga são os investimentos que são pensados a cinco e seis anos, já não pensamos a longo-prazo porque a vida altera muito rapidamente, e  ninguém vai projetar um investimento a cinco anos quando sabe que cada orçamento traz uma carga fiscal diferente e imprevisibilidade associada. Por isso, previsibilidade fiscal e uma redução gradual da taxa de IRC.

A burocracia, que apesar dos simplex e do simplex mais, continua a asfixiar-nos, a morosidade da justiça económica, os processos que se arrastam em tribunal. Ou seja, um ambiente económico que dê condições para que as empresas pudessem realizar estratégias de investimento e acesso a crédito.

Já que fala em crédito, como encara a questão do banco de investimento? Foi criado no tempo de Pedro Passos Coelho e tem um conselho de administração mas que tarda em sair para a economia real.

Temos olhado com preocupação. Recordo-vos que a banca reduziu 42 mil milhões de euros de crédito às empresas num curtíssimo espaço de tempo. As estruturas de capitais destas empresas estão muito desajustadas, e aí teremos de fazer um mea culpa.

A perceção de risco da banca é hoje muito diferente. É mais apurada, e assim deve ser porque isso impede que se cometam os erros que se cometeram no passado, como o crédito fácil e barato.

Mudaram os critérios de risco da regulação, os critérios de supervisão da banca e isto fez com que a banca deixasse de ser um parceiro de risco. E ser empresário é correr riscos. Se não tiver um parceiro financeiro de risco, o empresário fica sozinho no terreno. E por isso, a falha de mercado que existia e a necessidade do Instituição Financeira de Desenvolvimento (IFD), que é criado com essa função mas desde o seu nascimento que foi basicamente um nado-morto. Porquê? Porque a missão que lhe é dada, o volume de capital que lhe é atribuído, por exigências ao que disseram na altura em Bruxelas, que permite que os estados membros tenham bancos de fomento com características de outro capital e com outra missão, e não permitiram que o IFD a tivesse igualmente. Nós estranhámos na altura e insurgimo-nos contra isso e mantemos essa indignação, porque a missão e o capital que o IFD tem disponível é insuficiente par acudir esta necessidade de acesso a crédito que as empresas mantêm, e por isso, não tem cumprido a sua missão. Reuni-me há cerca de um mês com esta administração do IFD, que garantiu que tinha mecanismos e que estava a negociar em Bruxelas uma nova reestruturação e um novo volume de capital, para cumprir cabalmente esta missão para o qual tinha sido criado, mas a verdade é que já passaram quatro ou cinco anos da sua criação e medidas concretas, palpáveis e resultados concretos para a economia e para as empresas portuguesas? Não se vêem.

Voltando ao tema do IRC. A iniciativa de redução do IRC, antes de ser suspensa, tinha um compromisso alargado dos dois principais partidos.

Do PS e do PSD, na altura comandado por António José Seguro.

Portanto, era abrangente naquilo que interessa. Sabemos que os empresários continuam a pedir essa medida, mas vê alguma possibilidade de isso voltar a estar em cima da mesa? De existir algum consenso político , como lhe chama o Presidente?

Obviamente que isso exigiria que o futuro e futuros orçamentos de Estado fizessem opções diferentes daquelas que tenham sido feitas. E se os decisores políticos focalizarem que os motores da economia portuguesa são o aumento das exportações, troca de importações por fabrico interno e a promoção do investimento (quer captação de investimento diretamente do estrangeiro quer o desenvolvimento do investimento interno) tem de se criar um ambiente amigo destas condições. Isto são opções que se fazem a nível do Orçamento de Estado. Para reduzir gradualmente a taxa de IRC dos atuais 21 para os 17 ou 18, que desejaríamos ter. Havendo uma aparente diminuição de receita, teria de ser compensada de outra forma. E digo aparente por uma razão, porque quando se reduziu, no Governo anterior, a taxa de IRC, que estava em 25 e se reduziu para 21, curiosamente a receita de IRC aumentou. Reduziu-se a taxa e mesmo assim aumentou-se a receita. Por isso é falso, porque a economia não é uma ciência exata, e é falso dizer-se que quando baixa uma taxa, há uma menor arrecadação de receita.

Hoje, a tributação autónoma que incide sobre as empresas é um imposto excessivamente violento. Tem um figurino de mera de arrecadação de receita. Estamos a pagar, imagine, a tributação autónoma das viaturas dos nossos comerciais. Se vão tributar viaturas das direções e administrações porque são viaturas com determinadas características e volumes de compra, enfim entenderemos. Agora, viaturas comerciais de dois lugares que os comerciais usam para exercer as suas funções no dia a dia? Há aqui, como lhe digo, uma violenta captação de receita por esta via e as tributações autónomas tem sido, ano após ano, uma das exigências que temos colocado. Depois, outras focalizações que constam da formação profissional. Temos de fazer uma opção clara e concreta na formação dos ativos e daquilo que são os futuros ativos. Porque a digitalização da economia e as transformações que está a trazer, leva a que as empresas tenham de se adaptar e reapetrechar para estas novas realidades. A qualificação dos nossos recursos humanos, de modo geral, é uma obrigação que o país, os empresários, os governantes e os sindicatos… É um imperativo nacional a qualificação dos nossos trabalhadores e por isso a opção em Orçamento de Estado de verbas corretamente canalizadas para este efeito da qualificação dos ativos é fundamental. São opções que têm de se tomar. A questão do imposto, através do IRC e a sua redução para melhorarmos a atratividade do investimento, a questão da formação profissional e o reforço de verbas para esse efeito, a eliminação de critérios da tributação autónoma que são violentamente excessivos. Há aqui um conjunto de matérias, que tem de que se agir sobre elas para que o resultado a médio-longo prazo tenham efeitos.

Qual é a posição da CIP em relação às leis laborais? Houve um código do trabalho, que esta legislatura não mudou. O que mais se pode fazer neste campo, e noutro campo que afeta muitas empresas com as quais falamos é o caso da energia, em que os custos e da energia como um grande obstáculo à rentabilidade e investimento das empresas.

Nos sucessivos inquéritos que fazemos aos empresários concluímos que as leis laborais, sendo necessárias, têm sempre margem de progressão para melhorar, independentemente do ponto de vista. Os sindicatos têm um e nós empregadores temos outro, mas há sempre margem para adaptar a legislação, seja esta laboral ou outra. A Constituição, inclusivamente, tem de se adaptar à realidade dos tempos, e é aqui que me foco.

As leis laborais têm margem de progressão de melhoria mas não são prioritárias. Nos inquéritos que fazemos, os empresários colocam o funcionamento da justiça, o acesso a financiamento, a burocracia, licenciamentos e depois em sétimo ou oitavo, dependendo da região e do setor, a melhoria das leis laborais. Está no Parlamento, em ‘pipeline’, esta última alteração que houve em sede de concertação social, quando fomos obrigados a essa revisão porque não a queríamos, mas o Governo, para cumprir o seu programa de Governo em que tinha de melhorar a questão do banco de horas individual e a segmentação dos contratos, em que quis cumprir o seu programa e alterar. Isso era desnecessário porque o banco de horas individual são os próprios trabalhadores que o subscrevem e acham que este tem mérito, já não são apenas os empregadores. Por isso, mexer numa coisa em que todos estamos de acordo, empregadores e trabalhadores, foi perfeitamente desnecessário mas foi para cumprir programa do Governo, lá se minorou o efeito e está em ‘pipeline’ como digo.

Depois a segmentação dos contratos e combater a precariedade. Todos reconhecemos que, durante um tempo, a economia portuguesa teve precariedade, e ainda contém em alguns setores de atividade. Mas 85% dos contratos (segundo o primeiro-ministro), dos novos empregos criados são contratos sem termo, isto é, a própria economia já está a reagir e está a começar a alterar esse problema. Se estamos com um défice de trabalhadores qualificados, todos os setores de atividade estão com necessidade de mão de obra. Sobre isso, não temos agenda, para nós era não mexer porque não é prioritário para o desenvolvimento da economia.

Outra questão que diz respeito ao fator energético. Como costumo dizer, a energia não é cara nem é barata, é competitiva ou não é competitiva. Em Portugal, quando comparamos com Espanha, ficando no espaço europeu porque se nos compararmos com os EUA não somos competitivos, unidades industriais que fazem a comparação notam que a fatura energética é mais cara. Temos uma aposta nas renováveis e devemos ter porque o globo deve ser preservado para as gerações futuras. Mas estes aspetos das energias renováveis, a focalização e o desenvolvimento que se está a fazer sobre isso, temos apreciado e estamos a acompanhar porque temos um conselho criado na CIP, que é o Conselho de Energia e que acompanha estas matérias, mas a energia ou é competitiva ou não é, e em Portugal ainda não é.

Em Portugal pesa a originalidade da solução política encontrada pelo Governo. Estamos a conseguir resultados no ajustamento do défice. Na questão da dívida, que há pouco aflorou, parece-me que ainda nem começámos o caminho. Como vê essa questão? Vamos precisar que a União Europeia nos ponha metas mais fortes e agressivas para conseguirmos começar a travar esse combate?

Acho que aquilo que o homem não faz por inteligência, acaba por fazer por necessidade. E até agora não tenho visto sinais de inteligência na resolução desse problema. Tem de ser encontrada uma solução: nós não podemos manter a dívida que Portugal tem, pública ou privada, duas ‘mochilas’ pesadas às costas que limitam o nosso desenvolvimento. Fazendo aqui a caricatura, com duas mochilas de chumbo pesadas às costas, ninguém consegue fazer 100 metros em nove segundos.

Não acredita que nós, do ponto de vista interno, consigamos despoletar esse combate?

Isso era reconhecer a nossa incapacidade para resolver os nossos problemas e ninguém quer admitir isso. Tem de haver uma estratégia e definição clara de metas e objetivos, e nos tais Orçamentos de Estado que vão sendo gizados tem de haver uma focalização e tem de se somar opções. Portugal não pode manter-se com estas pesadas mochilas, temos de as aliviar. Como? Atuando em várias frentes, como as que já falámos, para que os resultados se obtenham. Regras europeias, as tais novas regras.

Existem algumas mas são muito tímidas. Eu pergunto-lhe se será necessário, no futuro, ter tal qual como se passou à dívida, metas mais agressivas?

Se não conseguirmos por nós próprios, provavelmente terão de ser impostas regras comunitárias que tenhamos de vir a cumprir.

Costumam falar desses assuntos com os decisores políticos?

Costumamos. Aliás, sempre que há Conselho Europeu, há uma tradição do primeiro-ministro que faz com que este fale com os parceiros sociais que têm os diversos dossiers.

E que feedback é que tem em relação a essa preocupação particular?

Todos os Governos têm a preocupação, mas também tenho de reconhecer que entre a preocupação que mostram ter e a ação concreta para implementar, o tempo passa e o problema fica.

 

 

 

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