A relação que os Estados Unidos da América mantêm com as armas é muito difícil de perceber quando olhada deste lado do lago, como muitos gostam de chamar ao Atlântico. “É uma questão de liberdade”, já ouvimos bradar, mais do que uma vez, como se a capacidade de cada pessoa pegar numa arma fosse o supremo momento de libertação.

A verdade é que cada vez se morre mais no Novo Mundo e de forma cada vez mais visível, dramática, como se fosse uma vaga que alastra, determinada, deixando-nos impotentes face às imagens que passam na televisão, como se se tratasse de um filme, mas que é real, bem real.

Ainda não existem dados do ano passado, mas já temos os de 2016, que dizem que morreram 38.000 pessoas por ferimentos relacionados com armas. Isto quer dizer mais 4.000 pessoas mortas do que em 2015. Um aumento de mais de 11%, o segundo aumento anual consecutivo. Nestes números estão incluídos os acidentes, os suicídios, mas também os homicídios. Olhando só para estes, estamos a falar de 11.000 pessoas assassinadas num único ano; mais 14,5% do que no ano anterior.

Para termos uma ideia da dimensão da guerra civil que dura há décadas nos Estados Unidos, os dados mostram que as mortes relacionadas com armas de fogo, desde 1968, altura a partir da qual começaram a ser recolhidos dados sobre este tema, chegaram a 1.516.863; mais de um milhão e meio, ou 15% das pessoas que vivem em Portugal.

Podemos, também, comparar este número com o total de americanos mortos em combate em todas as guerras em que os Estados Unidos participaram, desde a sua fundação, em 4 de julho de 1776, que inclui a revolução pela independência, a guerra da secessão, as duas Guerras Mundiais, a Coreia e o Vietname, as duas guerras do Golfo, além de conflitos de menor dimensão: 1.396.733. Todas as guerras de um dos maiores exércitos do mundo custaram menos 120 mil vidas do que a batalha que se desenrola nas ruas.

Por isso, quando 800 mil pessoas se manifestam em Washington contra a proliferação de armas, contra a permissividade que permitiu mais um massacre numa escola, que criou as condições para mais 27 mortes só este ano, estão a protestar contra a guerra, estão a dizer que não querem viver nestes campos de batalha em que se estão a transformar algumas cidades norte-americanas. Aliás, não há liberdade alguma em viver com medo no meio de uma comunidade armada que nos pode assassinar a qualquer instante.