O sistema que rege as eleições é, há muito, parte do problema da elevada abstenção. Não será a única causa, mas é importante. Para muitas pessoas, sobretudo as residentes nos pequenos círculos do interior, tornou-se desmobilizador enfrentar esta divisão eleitoral e o seu Método de Hondt, que consiste em dividir sucessivamente os votos por 1, 2, 3, 4, 5, etc., e no final atribuir deputados aos coeficientes maiores – tantos quantos os mandatos devidos à população residente nos distritos.

O propósito inicial do sistema, de facilitar maiorias, já não faz sentido. A negociação e o entendimento têm de ser o novo paradigma – e este é possível, como a última legislatura provou.

Em Portugal, muita gente entende que não vale a pena expressar o seu voto, sobretudo se ele não for canalizado para os grandes partidos do regime, PS e PSD, e se não se tiver sido expresso nos maiores círculos, com Lisboa e Porto à cabeça.

Os dados são conhecidos, têm sido divulgados, mas eu resumo três grande ideias:

1. Das 5.092.424 pessoas que foram votar, as escolhas de 680.748 que se expressaram validamente por um partido ou coligação não tiveram consequências;

2. PS e PSD, com 3.286.960 votos, elegeram 183 deputados; os restantes partidos, com 1.587.326  votos, tiveram direito a 43;

3. Se, nas Legislativas, houvesse um único círculo, nacional, como acontece nas Europeias, o quadro atual do Parlamento (ainda sem o voto dos portugueses a viverem fora) seria o seguinte: PS, 90 (tem 106 até ao momento); PSD, 69 (77); BE, 23 (19); CDU, 15 (12); CDS, 10 (5); PAN, 8 (4); Chega, 3 (1); Iniciativa Liberal, 3 (1) Livre, 2 (1) Aliança, 1 (0); RIR, 1 (0); PCTP/MRPP, 1 (0).

Ou seja, o Parlamento poderia ser mais diversificado, refletir melhor o sentir das pessoas. A governabilidade não seria prejudicada. A única diferença é que o partido com mais votos, neste caso o PS, teria de negociar sob outras condições (sobretudo com BE e PCP). O PS só faria maioria direta com o PSD, mas não faltariam possibilidades de entendimentos à ‘esquerda’, considerando nela o PAN e o Livre. A chamada ‘direita’ continuaria sem possibilidade de formar qualquer governo. Não seria isto mais democrático e adequado aos novos tempos?

O atual sistema apenas interessa ao PS e ao PSD – os únicos que ganham com ele. Prejudica todos os outros e desmobiliza o país. Ignora muitos portugueses. De que vale votar num pequeno partido em Santarém ou Castelo Branco? Porque é que o MRPP, no qual votam mais de 30 mil pessoas, ou o Aliança, vão estar quatro anos sem participar nas discussões das leis, sem apresentar propostas e sem se fazer ouvir? Pessoalmente, preferia que o dinheiro dos meus impostos servisse para pagar ordenado ao divertido Tino de Rans em vez de suportar muitos dos obscuros deputados sempre mudos, sempre às ordens.

É imperioso mexer no sistema político e eleitoral. Lamentar a abstenção e deixar tudo na mesma é, apenas, hipocrisia.

No que diz respeito aos resultados destas eleições, observo ainda a má vontade do regime contra as democráticas escolhas do país. A Iniciativa Liberal e o Chega foram recebidos com os punhos cerrados, mas quem viu o último “Prós e Contras”, da Fátima Campos Ferreira na RTP, percebe que a Democracia portuguesa ficou mais completa, vai ser melhor escrutinada e terá novos temas, como a corrupção, o nepotismo, a dimensão do Estado, o peso dos impostos, a Segurança e os seus meios, as condições da imigração, entre outros. Isso é bom. Vai obrigar os velhos partidos a prestarem mais atenção às pessoas e aos seus problemas concretos.