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As estratégias dos partidos para obterem dividendos eleitorais

Como é que os partidos vão posicionar-se na negociação e aprovação do OE2019? Quais são os objetivos prioritários, tendo em vista as eleições do próximo ano? Dois politólogos antecipam possíveis cenários.
13 Outubro 2018, 13h00

É o último Orçamento do Estado na presente legislatura e incide sobre o ano de 2019, durante o qual vão realizar-se três eleições: regionais, europeias e legislativas. Neste contexto, qual será a estratégia política dos principais partidos? Questionados pelo Jornal Económico, dois politólogos antecipam possíveis cenários e identificam os objetivos prioritários de cada partido no âmbito da negociação e aprovação do OE2019.

Com três eleições no horizonte próximo, estando em causa a permanência no poder, o Governo do PS irá resistir à tentação de introduzir medidas eleitoralistas ou populares no OE2019? “Claro que o comando político do PS vai ser oportunista, como todos os partidos governistas. E como mandam as regras, para aumentar as votações, vai declarar, com toda a solenidade dos discursos de Estado, que considera o eleitoralismo um pecado. Será mais do mesmo, porque, em política, o que aparece é o que é. Contudo, o essencial vai passar-se nos bastidores, na barganha que vai fazer-se quanto ao acordo com o PCP e o BE, aquilo que nem sequer vai precisar da encenação de um acordo escrito”, conjetura José Adelino Maltez, professor catedrático no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa.

“O atual contexto político e económico pode conduzir à adoção de algumas medidas de cariz eleitoralista. Esta perspetiva vai ao encontro do contexto histórico e de análise dos orçamentos de Estado dos últimos anos, de diferentes legislaturas, bem como do esforço que o PS procurará fazer para alcançar a maioria absoluta. Embora neste caso em concreto, umas das medidas centrais e que geralmente é referida, o aumento do salário mínimo, esteja já previsto desde o início da legislatura e num processo gradual”, responde, por sua vez, Bruno Ferreira da Costa, professor de Ciência Política na Universidade da Beira Interior. “Ou seja, o aumento do salário mínimo não corresponde, neste caso, a uma surpresa ou a uma medida de última hora tendo em vista o aumento do apoio eleitoral, mas sim a um compromisso do Governo para toda a legislatura. Por outro lado, o conjunto de medidas de reposição de direitos adotado nos últimos anos retira alguma margem ao atual Executivo para grandes mudanças na política fiscal ou nos benefícios sociais”.

“As medidas terão de ser mais cirúrgicas e sem um forte impacto nas contas públicas, tanto pelo valor da dívida pública, como pela presença de Mário Centeno na liderança do Eurogrupo,” prossegue Ferreira da Costa. “Em oposição a alguns ministros europeus que já admitiram ser importante ultrapassar o défice estipulado para a concretização de diversas obras públicas, Centeno tem a sobrecarga de ter de ser ‘o exemplo’ para os seus congéneres ao nível do rigor e do controlo da despesa do Estado. Mais do que as medidas, o caminho vai centrar-se na comunicação política e na demonstração ou comparação entre a situação do país em 2015 e atualmente. É precisamente no palco mediático que se vai focar a discussão política, sendo este fator impulsionado pela atual composição das lideranças à direita”.

Medidas populares

Do ponto de vista do BE e do PCP, esta será a última oportunidade para reclamarem o crédito de medidas populares, visando a obtenção de dividendos eleitorais em 2019. Isso poderá gerar conflitos no processo de negociação do OE2019? “As medidas populares não resultam da qualificação prévia que recebem dos comentadores e dos jornalistas. O único povo que existe é o povo eleitoral e este até gosta de apoiar o que é um bem que lhe pareça pouco eleitoralista. O problema é descobrir o que esse povo eleitoral pensa, coisa a que apenas acedem certos políticos vencedores, detentores da intuição do futuro”, argumenta Maltez.

“O atual ambiente político permite constatar que o OE2019 será aprovado sem grandes problemas ou divisões nos partidos que sustentam o Governo liderado por António Costa. A ação e o discurso do Presidente da República neste domínio têm gerado igualmente essa perceção. No entanto, o BE e o PCP procurarão defender que os benefícios sociais e a recuperação de direitos ao longo da presente legislatura foram conseguidos devido à ausência de uma maioria absoluta do PS. O combate eleitoral destes partidos será demonstrar a importância da sua ação no contexto negocial com o Executivo e a mais-valia de repetir ou encontrar uma solução próxima de Governo para os próximos quatro anos. Nesta discussão do OE2019, o BE e o PCP deverão ir mais longe ao nível das exigências, sem deixar de aprovar a proposta do Executivo. Com esta estratégia ganham espaço argumentativo para demonstrar que com mais poder, mais força eleitoral, as suas posições poderiam ser sustentáveis, procurando demonstrar um PS incapaz de adotar uma política integralmente de esquerda”, considera Ferreira da Costa.

“No entanto, não correrão o risco da não aprovação do OE2019, sendo o último ano da legislatura, o que colocaria em causa a imagem de sucesso que procuram transmitir ao nível da solução política encontrada em 2015. O posicionamento dos dois partidos nos últimos tempos tem também permitido verificar alguma disponibilidade para integrar uma futura solução de Governo, o que vai ao encontro de seduzir o eleitorado e demonstrar que o ‘voto útil’ é desnecessário e que o caminho passa por reproduzir uma maioria de esquerda nos moldes atuais. As eleições para o Parlamento Europeu vão ser um importante teste para estas duas forças políticas, considerando que as autárquicas de 2017 já representaram um penalização e consideráveis perdas para ambos, com foco nas autarquias perdidas pela CDU. Sendo as eleições para o Parlamento Europeu marcadas por um voto menos condicionado, um mau resultado significará sempre um sinal de aviso sério para as legislativas do mesmo ano”, acrescenta.

Liderança da oposição

De que forma é que o PSD e o CDS-PP deverão posicionar-se relativamente ao OE2019? Estará em causa a perceção de quem lidera a oposição? Com que potenciais efeitos para as eleições legislativas de 2019? “A política é um risco e um jogo. Quem não arrisca, não petisca. O PSD de Rui Rio já disse que quer fazer conquista ao centro, pescando no mar social-democrata. O CDS-PP que conservar o seu papel de manutenção do eleitorado do ‘portismo’. E, ao que parece, Pedro Santana Lopes vai medir-se, dizendo que Rui Rio quer fazer uma Santa Casa da Misericórdia com Costa. Logo, quem vai distinguir é o homem comum. Não arrisco um prognóstico”, salienta Maltez.

Na perspetiva de Ferreira da Costa, “a ausência de Rui Rio do Parlamento e a existência de um grupo parlamentar avesso à sua liderança retira margem de manobra para uma posição forte e coerente. Neste domínio, o CDS-PP estará com uma margem mais confortável no papel de oposição ao Executivo e à proposta de OE2019. É expectável que ambos os partidos optem pelo voto contra, embora a dinâmica do debate possa favorecer o CDS-PP, principalmente por a sua líder estar no confronto direto com António Costa. A invisibilidade assumida por parte de Rui Rio pode constituir um forte entrave à passagem da sua mensagem, uma vez que estará centrado em solucionar a instabilidade interna do partido e pode ter de concentrar-se num possível Congresso antecipado”.

“Rui Rio terá primeiro de se libertar desse debate interno para ser visto, caso assim o pretenda, como uma alternativa ao Governo liderado por António Costa. E aqui o tempo corre contra a liderança social-democrata. Desde a sua vitória que faltam discursos e intervenções de base, bem como coerência argumentativa para a construção de um programa político. Este momento pode ser decisivo para a afirmação da sua liderança e para as expectativas do partido relativamente às eleições do próximo ano, onde um forte candidato ao Parlamento Europeu poderia reduzir a distância entre o PSD e o PS e controlar a subida do CDS-PP e o impacto do surgimento da Aliança. Por outro lado, as diversas sondagens demonstram a incapacidade da atual liderança em seduzir mais do que o que se considera ser o eleitorado fiel e clássico do PSD, isto numa altura em que ainda não está medido o impacto de novas forças políticas no espectro da direita portuguesa”, afirma Ferreira da Costa.

Resultados eleitorais

Que influência terá o OE2019 nos resultados das próximas eleições legislativas? Poderá ser decisivo? “O Orçamento do Estado continua a ser a decisão fundamental da coisa pública. O problema é que continuamos a fingir que ele é anual, quando sabemos que ele apenas se integra num processo plurianual de matriz europeia, ultrapassando em muito o espaço da soberania do eleitor português. Contudo, aos políticos do governismo e da oposição é conveniente o bailado do fingimento”, critica Maltez.

“Não acredito num impacto significativo, uma vez que a medição desse impacto implicaria um conhecimento aprofundado por parte do eleitor das propostas e do conteúdo do Orçamento do Estado”, diz Ferreira da Costa. “Os meandros da política encontram-se fechados numa redoma complexa para o comum cidadão, fruto da ação da classe política e da adoção de discursos desfasados da retórica argumentativa comum. Aproximar eleitos de eleitores passa, precisamente, por uma simplificação do discurso e por uma explicação cuidada e adequada da orgânica e do funcionamento do Estado, sendo este processo moroso e contrário aos interesses dos partidos políticos”.

“Mais do que o conteúdo ou as propostas inscritas no OE2019, será a discussão e o posicionamento mediático dos partidos e dos respetivos líderes que permitirá algum ganho eleitoral nas próximas eleições, o que dado o contexto político atual poderá favorecer o PS e o CDS-PP, uma vez que constituirão os pólos opostos na discussão e votação do OE2019”, conclui.

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