Várias têm sido as medidas anunciadas pelo Governo Português para mitigar o impacto do COVID-19 na vida dos portugueses, seja através de medidas que afectam os direitos civis dos cidadãos, tais como as restrições à liberdade de deslocação e associação impostas pela decretação do estado de emergência, seja através de medidas que visam a manutenção do emprego tendo em vista mitigar o impacto desta pandemia nos rendimentos das famílias, como por exemplo o layoff simplificado.

E, por último, mas de certo não menos importantes, medidas financeiras para as empresas, vocacionadas a colmatar as falhas na tesouraria, capital circulante, caixa e depósitos, à conta do autêntico (e necessário) lock-down empresarial e económico em que vivemos de momento

O impacto que este vírus tem tido nas nossas vidas é inegável. Se existe um efeito mais visível, empírico até, como é a ameaça do vírus e da doença à saúde pública, é necessário, também, não menosprezar, compreender e combater o impacto letal que a pandemia está a ter na economia e no tecido empresarial português. Mais concretamente, importa debruçarmo-nos sobre as medidas que têm sido anunciadas e implementadas em Portugal.

  1. Quanto ao apoio à tesouraria das empresas, que medidas é que foram até ao momento anunciadas pelo Governo?

Em 18 de março, o Governo anunciou um pacote de medidas de apoio às empresas. Em termos gerais, essas medidas representam uma injecção de liquidez no montante de 9.200 milhões de euros. Nomeadamente, estão a ser implementadas um conjunto de linhas de crédito de apoio à tesouraria das empresas que ascendem ao montante de 3.000 milhões de euros (agora aumentado para 6.200 milhões de euros como veremos infra), com um período de carência de até 12 meses (em algumas linhas aumentado para 18 meses como infra exposto), com foco, como não podia deixar de ser, nos setores mais atingidos pela pandemia, a saber: indústria, restauração e análogos, e turismo. Com as alterações que expomos mais à frente, o âmbito de aplicação destas linhas foi já alargado a mais sectores. As candidaturas devem ser apresentadas junto dos bancos aderentes.

  1. Que linhas é que, de facto, existem no dia de hoje?

Até 30 de Março do presente ano, existiam somente duas linhas de crédito/financiamento às empresas a operar em Portugal, em virtude da quebra económica operada pela pandemia de covid-19.

Eram elas a Linha de Crédito Capitalizar 2018 – COVID-19 com uma dotação global de 200 milhões de euros (que foi, entretanto, aumentada para 400 milhões de euros), repartido entre duas dotações específicas: “Fundo de Maneio” e “Plafond Tesouraria”. Esta linha foi, no entanto, suspensa, a 6 de Abril, devido ao volume de solicitações ser previsivelmente superior à dotação global prevista. De momento, e de acordo com a informação transmitida no comunicado da PME Investimentos, entidade gestora desta linha de crédito, não será possível apresentar mais candidaturas a esta linha de crédito.

Foi ainda disponibilizada uma linha de apoio às necessidades das microempresas turísticas com uma dotação global de 60 milhões de euros.

A partir de 30 de Março, foi então operacionalizada a Linha de Apoio à Economia – COVID-19, que compreendia uma dotação global de 3.000 milhões de euros, sendo que, dia 13 de Abril, foi anunciado o aumento desta dotação para 6.200 milhões de euros, em virtude da Comissão Europeia ter autorizado Portugal a aumentar o montante global de garantias estatais a conferir no âmbito das linhas de crédito, para 13.000 milhões de euros, que contempla as seguintes linhas específicas:

  • “COVID 19 – Apoio à atividade económica” – No valor de 4.500 milhões de euros. Esta linha foi inicialmente anunciada como a linha “COVID 19 – Apoio empresas da Indústria”, prevendo uma dotação de 1.300 milhões de euros. Este aumento de dotação orçamental nesta linha em específico, representa a totalidade do aumento de plafond global das linhas de crédito. Este aumento da dotação orçamental veio acompanhado de um alargamento dos sectores de actividade que podem, em abstrato, recorrer a este financiamento. Destacamos o alargamento aos sectores de serviços e comércio, imobiliário, construção e agricultura e transportes.
  • “COVID-19: Apoio empresas da Restauração e similares”, no valor de 600 milhões de euros;
  • “COVID 19 – Apoio Empresas do Turismo” – No valor de 900 milhões de euros;
  • “COVID 19 – Apoio a Agências de Viagem, Animação Turística, Organizadores de eventos e similares” – No valor de 200 milhões de euros;
  1. Várias têm sido as declarações de membros do Governo no sentido de que as empresas que acedam às linhas de crédito não podem despedir trabalhadores. Este é um requisito de elegibilidade?

Quanto à Linha de Crédito Capitalizar 2018 – COVID 2019, não existiu, durante toda a vigência da linha, qualquer obrigação neste sentido. Não obstante, quanto à linha específica de financiamento das microempresas turísticas, regulada pelo Despacho Normativo n.º 4/2020, surge a obrigação das entidades beneficiárias apresentarem, em julho de 2020, documento comprovativo da manutenção dos postos de trabalho existentes à data de 29 de fevereiro de 2020.

Posteriormente, com a operacionalização da  Linha de Apoio à Economia- COVID 19, a mesma veio prever como requisito o seguinte:

“[As empresas] Apresentem declaração específica na qual a empresa assume o compromisso de manutenção dos postos de trabalho permanentes até 31 de dezembro 2020, face ao comprovado número desses postos a 1 de fevereiro de 2020 e, como tal, não ter promovido nem vir a promover, nesse período, processos de despedimento coletivo ou despedimento por extinção do posto de trabalho, previstos nos artigos 359.º e 367.º do Código do Trabalho, ou demonstre estar sujeito ao regime de lay-off, mediante a apresentação de aprovação da Segurança Social.”

Ainda que este último requisito pareça alternativo, a informação que temos é de que o mesmo é cumulativo. Assim, mesmo estando em regime de lay-off, o entendimento dos bancos, e de todas as entidades intervenientes neste processo, é de que se mantém o requisito de não haver sido promovido qualquer despedimento desde 1 de Fevereiro de 2020.

Muito se poderia dizer quanto à segurança e certeza jurídica de uma previsão normativa ou contratual desta índole, ainda para mais quando o assunto relativo aos despedimentos só se encontra na ordem do dia, a partir da segunda metade do mês de Março. Ainda assim, sabendo que ela é concebida nestes moldes, deverão as empresas resguardar-se.

  1. Relativamente à Linha de Apoio à Economia – COVID19, quem são as entidades beneficiárias?

Ora, à semelhança da Linha de Crédito Capitalizar 2018 – COVID 2019, esta linha de crédito destina-se a Microempresas e PME, bem como para empresas small mid cap (empresas de pequena-média capitalização, considerando-se como tal aquela que empregue menos de 500 pessoas) e mid cap (empresas de média capitalização, considerando-se como tal aquela que, não sendo PME, empregue menos de 3.000 pessoas). Esta linha encontra-se agora, também, acessível a Empresários em Nome Individual (ENI) sem contabilidade organizada. Estas empresas terão de estar localizadas em território Português, e a sua actividade terá de se enquadrar num dos CAE previstos para cada uma das linhas específicas, supramencionadas. Ficam por isto de fora, todas as demais grandes empresas.

  1. Quais são os critérios que a empresa tem de preencher para poder aceder à Linha de Apoio à Economia – COVID 19 e quais as condições de financiamento?

Por forma aceder a esta linha de crédito, as empresas terão de preencher, entre outros critérios específicos de cada uma das linhas autónomas, cumulativamente, os seguintes principais critérios:

  • Apresentar uma situação líquida positiva no último balanço aprovado, sendo que, as empresas que não preencham este requisito podem ainda aceder à linha de crédito caso apesentem esta situação regularizada em balanço aprovado até ao momento do enquadramento da operação (este requisito não se aplica as empresas que tenham iniciado a sua actividade há menos de 24 meses, nem a empresários em nome individual sem contabilidade organizada. Os 24 meses a que nos referimos são contabilizados desde a data da respectiva candidatura);
  • Não ter incidentes por regularizados junto da AT, SS, da Banca e do Sistema de Garantia Mútua;
  • Não serem consideradas como empresas em dificuldades (requisito clarificado no documento de divulgação da linha, que se encontra em constante actualização) a 31 de dezembro de 2019, resultando as dificuldades atuais do agravamento das condições económicas no seguimento da epidemia do COVID-19;
  • Conforme exposto supra, apresentem declaração específicana qual a empresa assume o compromisso de manutenção dos postos de trabalho permanentes até 31 de dezembro 2020, face ao comprovado número desses postos a 1 de fevereiro de 2020 e, como tal, não ter promovido nem vir a promover, nesse período, processos de despedimento coletivo ou despedimento por extinção do posto de trabalho, previstos nos artigos 359.º e 367.º do Código do Trabalho, ou demonstre estar sujeito ao regime de lay-off, mediante a apresentação de aprovação da Segurança Social.

Relativamente às condições e, não obstante algumas que sejam específicas de cada uma das linhas autónomas, elas são, em abstrato, as seguintes:

  • Montante máximo de financiamento, em abstracto, varia entre 50.000,00 euros e 2.000.000,00 euros, consoante a tipologia de empresa (para a linha de apoio à restauração e a linha de apoio a agências de viagens: Micro – 50.000,00 euros; Pequenas Empresas – 500.000,00 euros, Médias empresas Small Mid e Mid Cap – 1.500.000,00 euros; Para a linha de apoio à actividade económica e a linha de apoio a empresas do Turismo: Micro – 50.000,00 Euros; Pequenas Empresas – 500.000,00 euros, Médias empresas – 1.500.000,00 euros Small Mid e Mid Cap – 2.000.000,00 euros );
  • São elegíveis apenas operações de financiamento de necessidades de tesouraria, consubstanciando esta operação empréstimos bancários de curto e médio prazo;
  • Prazo da operação é de até 6 anos (inicialmente de 4 anos, sendo que a 13 de Abril foi aumentado para 6 anos) com um período de carência de até 18 meses e um período de utilização de 12 meses;
  • Garantia mútua de até 90% da quantia mutuada no caso de Micro e Pequenas empresas, e até 80% no caso de Médias, Small Mid Cap e Mid Cap.
  • Já quanto aos juros a suportar pela empresa, o spread varia em função do período de maturidade do empréstimo entre 1,0% e 1,5%. Para além do spread, será devido pela empresa uma comissão de garantia que varia entre 0,25% e 1,75%, consoante a tipologia da empresa e o período de maturidade do empréstimo, sobre a garantia prestada pela sociedade de garantia mútua. A estes montantes poderá ainda acrescer uma comissão de gestão/acompanhamento pelo Banco financiador, por ano, de até 0,5% sobre o montante de financiamento em dívida.

De notar, e louvar, que com as novas alterações introduzidas nesta segunda-feira, dia 13 de Abril, vem proibida a possibilidade de os bancos exigirem, do cliente, qualquer garantia pessoal (como avais ou fianças) ou qualquer outra garantia complementar (pessoal ou patrimonial).

Já quanto aos CAE abrangidos, os mesmos podem ser consultados no documento de divulgação (o documento de divulgação mais actualizado à data de 13 de Abril, não contempla ainda o alargamento de sectores introduzido pela Linha de apoio à actividade económica) aqui.

  1. Relativamente à linha de apoio às necessidades das microempresas turísticas, quem são as entidades beneficiárias?

Esta linha de apoio financeiro pode ser acedida por microempresas, sendo consideradas para este efeito, as empresas do sector do turismo que empreguem menos de 10 trabalhadores efectivos e cujo Volume de Negócios ou Balanço total anual não exceda os 2 milhões de euros, aqui se incluindo estabelecimentos hoteleiros, restaurantes, turismo no espaço rural, estabelecimentos de bebida, aluguer de veículos automóveis, agências de viagens entre outras.

  1. Qual o montante deste financiamento e a que obrigações ficam as empresas adstritas?

O apoio é operacionalizado pelo Turismo de Portugal, I.P. e corresponde ao valor de 750,00 Euros mensais por cada posto de trabalho existente na empresa a 29 de fevereiro de 2020, multiplicado pelo período de três meses, até ao montante máximo de 20.000 Euros. Este apoio será reembolsável no prazo de 3 anos, com um período de carência de até 12 meses, sem o pagamento de qualquer juro remuneratório.

Para além das normais obrigações, como manter a situação fiscal regularizada junto da AT e da SS, e cumprir atempadamente com as obrigações de reembolso, as entidades beneficiárias terão de apresentar, em julho de 2020, documento comprovativo da manutenção dos postos de trabalho existentes à data de 29 de fevereiro de 2020.

  1. Para além destas medidas, existe mais alguma que as auxilie no cumprimento das suas obrigações?

Sim. Entrou em vigor no dia 27 de Março o Decreto-Lei n.º 10-J/2020, que aprovou uma moratória bancária de 6 meses, até 30 de Setembro de 2020, que permite a suspensão do pagamento pelas empresas de qualquer prestação de capital, juros ou rendas, prevendo ainda a proibição da revogação das linhas de crédito contratadas e a prorrogação ou suspensão dos créditos até fim deste período. Esta moratória aplica-se a todas as empresas, independentemente do seu tamanho, e depende de prévio requerimento destas, junto do Banco ou Instituição Financeira com quem o crédito se encontre contratado.

Esta medida é de facto um autêntico balão de oxigénio para as empresas, mas não faz com que estes créditos desapareçam. Neste sentido, os contratos de financiamento serão prolongados pelos mesmos 6 meses de moratória. E pior, durante este período de moratória, os juros continuarão a vencer, sendo posteriormente capitalizados no valor do empréstimo. Neste sentido, esta moratória fará com que o valor total da dívida suba, como ainda com que o valor global dos juros associados ao crédito aumente também, de modo a engordar o valor do crédito, conforme anunciado pelo Governo neste portal.

De notar que, é requisito de acesso a estas linhas, que a empresa não esteja, a 18 de Março de 2020, em mora ou incumprimento de prestações pecuniárias, há mais de 90 dias junto das instituições de crédito. Ora, pelos bancos, este critério tem sido entendido como obrigatório que os requerentes não estejam em situação de incumprimento ou mora, com qualquer instituição de crédito, e não apenas perante a instituição concedente da moratória.

  1. Existem mais algumas medidas anunciadas?

De momento, relativamente às linhas de crédito anunciadas pelo Governo, não existe mais nenhuma que se encontre regulamentada e que esteja operacional. A previsão é de que, para futuro, venham a ser operacionalizas mais linhas, quanto a mais sectores nefastamente afectados por esta pandemia. Assim é de expectar na sequência da supra mencionada autorização da Comissão Europeia.

Uma vez que a disponibilização das mesmas depende de prévio acordo entre o Governo e os Bancos aderentes, a sua operacionalização estará, naturalmente, dependente do que resulte dessas negociações.

Não obstante, a nossa expectativa é de que sejam implementadas novas e melhores medidas. Os critérios são obscuros, e reina a incerteza num tempo em que a mesma não é suportável. Não temos dúvidas de que são muitas as empresas que não cumprem os desideratos impostos pelas linhas anunciadas.

Veja-se, a título exemplificativo, que desde o momento em que a empresa apresenta o seu pedido de acesso à linha de crédito, até ao momento em que o dinheiro entra na conta da empresa, podem decorrer mais de 40 dias úteis (5 dias úteis para aprovação pelo banco; entre 2 e 5 dias úteis para aprovação por parte das SGM; até 30 dias úteis para que a operação de financiamento seja contratada com a empresa). Diga-se tão só, que, há empresas que não aguentam mais um dia, quanto mais 40 dias úteis…

O tempo urge, e o timing de disponibilização destas medidas é crucial para mitigar o impacto desta pandemia nas empresas e na economia portuguesa nos meses que se seguem. O momento será de equacionar a possibilidade investimento directo do estado nas empresas, a fundo perdido. Mentalizemo-nos de que, se assim não for, vai o mesmo dinheiro ser gasto, a fundo perdido, em subsídios de desemprego.