Os dois últimos anos foram palco de profundos debates na ONU sobre o futuro das operações de paz, que se traduziram em evoluções concetuais importantes. Para isso, foram instrumentais o designado relatório Santos Cruz (2017), com o sugestivo título “melhorar a segurança dos capacetes azuis: temos de mudar o modo como trabalhamos” e a iniciativa “Ação para a Paz” (2018), em que o Secretário-Geral da Organização exorta os países contribuintes com forças e polícias (T/PCC) a reforçarem o seu empenho e contributo para as operações de paz.

A missão prioritária daquelas operações passou a ser a Proteção de Civis (PdC). Existem presentemente nove missões com esse tipo de mandato, nas quais servem mais de 90 % dos capacetes azuis. Estas missões são mais exigentes no que respeita ao uso da força, que passou a aplicar-se de uma forma mais alargada, indo muito para além da autodefesa ou do cumprimento dos acordos. Considera-se como PdC todas as ações necessárias, incluindo o uso da força, para impedir ou responder a ameaças de violência física contra civis, sem prejuízo da responsabilidade da sua proteção pelo governo anfitrião. Fala-se desde há uns anos a esta parte de operações de paz robustas.

O conceito de PdC não é consensual no seio da ONU. Existem três linhas de pensamento: a do direito internacional humanitário e direitos humanos; a que considera PdC fundamentalmente como proteção física de civis; e a que considera PdC o resultado das operações de paz. Isto é, uma consequência lógica da estabilização e construção da paz como formas duráveis de proteção, sendo por isso considerada uma redundância a sua individualização como tarefa. As operações de paz multidimensionais procuram incorporar todas as interpretações de PdC, dando contudo relevância e pesos distintos a cada uma delas. Acabam por prevalecer os argumentos da corrente humanitarista, que condicionam a nova formulação dos mandatos. As conceções defendidas pelos humanitaristas são elegantes e bem-intencionadas. Duvidamos, no entanto, da sua exequibilidade. Por várias ordens de razões.

Em primeiro lugar, a natureza das operações de paz da ONU não sofreu alterações. Continuam a ser primordialmente de natureza política, apesar de incorporarem uma componente militar. Em segundo lugar, as novas operações são mais exigentes em recursos humanos e materiais, que não existem. É preciso encontrar T/PCC que não se importem de perder os seus filhos por uma paz longínqua, onde os seus interesses nacionais não estão em jogo, ou são indiretamente afetados. Não parece ser o caso dos países desenvolvidos, cujos governos são escrutinados regularmente. É risível falar em PdC na operação em curso na RCA, com uma força de 11 mil homens e mulheres em uniforme, num país com uma área semelhante à da França, com apenas 650 km de estrada asfaltada, onde o deslocamento tático e o apoio logístico são um pesadelo.

Em terceiro lugar, é um equívoco insistir na implementação de atividades típicas da construção da paz, cujo sucesso depende de estabilidade política e segurança, durante a gestão da violência. Gestão da violência não é o mesmo que gestão de conflitos.

É verdade que existe espaço para melhorar, mas se ocorrer no quadro vigente, sem fazer tábua rasa das premissas e dos princípios em que assentam as operações de paz da ONU. As “evoluções” registadas, marcadas pelo dogmatismo e preconceito não trouxeram valor acrescentado nem contribuíram para melhorar os resultados.