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ASF disponível para colaborar com o Governo para a cobertura dos riscos de fenómenos sísmicos

Na conferência anual do setor segurador a presidente da ASF alertou para os “protection gaps”. O gap entre risco climáticos e respectivas coberturas e o gap entre o aumento da longevidade e a poupança. “Os seguros e os fundos de pensões têm um papel importante a desempenhar na oferta de respostas às necessidades trazidas pela longevidade”, disse.
  • MIGUEL A. LOPES/LUSA
17 Novembro 2021, 11h01

Margarida Correa de Aguiar,  presidente da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF), na abertura da Conferência anual, começou por falar do papel da indústria dos seguros e fundos de pensões na recuperação e resiliência.

“Precisamos de trabalhar para uma recuperação económica resiliente, de forma consistente, tendo presente que a recuperação que queremos alcançar deve ser duradoura. A qualidade das políticas é agora um fator chave neste projeto de reconstrução”, disse a presidente da ASF que lembrou os esforços coordenados das várias instituições europeias, governos, bancos centrais e autoridades de regulação e supervisão que “foram de grande importância para mitigar os impactos causados pela pandemia e para perspetivar uma recuperação económica e social robusta”.

Neste âmbito, “são de destacar o acordo alcançado no Conselho Europeu, em julho de 2020, de um pacote inclusivo de resposta comum da União Europeia aos efeitos da pandemia, o qual ascende a mais de 2 biliões de euros, em preços correntes, e do programa de compra de ativos para a emergência pandémica (Pandemic Emergency Purchase Programme – PEPP) do Banco Central Europeu, fixado em 1,85 biliões de euros”, frisou a responsável pelo regulador dos seguros.

Tendo em conta as prioridades definidas no Plano de Recuperação e Resiliência, designadamente a transição climática e a transição digital, as quais implicam alterações profundas de paradigma, “o setor segurador e o setor dos fundos de pensões têm um papel de relevo a desempenhar na sociedade e na economia numa perspetiva universal. Reúnem condições para se constituírem parceiros ativos na recuperação e resiliência”, defendeu.

Ambos os setores [segurador e o dos fundos de pensões] são grandes investidores institucionais de longo prazo, apoiando o investimento produtivo e o financiamento de projetos de infraestruturas e de tecnologia com capacidade para contribuir para as finanças sustentáveis. Em Portugal, gerem cerca de 75 mil milhões de euros, o que representa 37% do PIB, referiu a presidente da ASF.

“Os seguros asseguram, também, uma relevante função socioeconómica, insubstituível e imprescindível, de mitigação e gestão dos riscos aos quais a vida humana e as atividades económicas estão expostas”, adiantou.

Margarida Correa de Aguiar, anfitriã de uma conferência que debate o futuro dos setores dos seguros e dos fundos de pensões na era pós-Covid e os desafios da transição para uma economia e sociedade sustentáveis, salientou também a função redistributiva daqueles setores, “através da devolução à sociedade e à atividade económica de parte dos rendimentos captados, e a função pedagógica e preventiva na promoção de boas práticas e bons comportamentos reforçam o papel do seguro no dia-a-dia das famílias e das empresas”.

A par de alguns produtos do ramo Vida, os fundos de pensões desempenham, também, um papel importante na captação de poupança individual e coletiva para a formação de benefícios complementares na reforma, lembrou.

“A nível europeu, destaco o Pacote Ecológico Europeu que prevê a integração da sustentabilidade em todas as políticas da União Europeia, com o propósito de transformar a União Europeia numa economia moderna, competitiva e eficiente na utilização dos recursos, garantindo que as emissões líquidas de gases com efeito de estufa sejam nulas em 2050”, defendeu a presidente da CMVM.

O Pacto Ecológico Europeu será financiado por um terço dos cerca de 2 biliões de euros, a preços correntes, de investimentos do Plano de Recuperação do NextGenerationEU e do orçamento da União Europeia para sete anos.

“Em termos de canalização de recursos, e pela dimensão que há pouco referi, os setores dos seguros e dos fundos de pensões são imprescindíveis enquanto investidores institucionais”, reforçou a presidente da entidade supervisora do setor segurador e fundos de pensões.

“A sua estratégia de alocação de capital e a forma como essa estratégia influencia a canalização de poupanças para as atividades, tecnologias e empresas ou projetos precursores da transição verde constitui uma fonte fundamental de recursos e financiamento para uma economia sustentável e para a redução do green premium que tipicamente as tecnologias verdes denotam face às suas alternativas poluentes”, referiu.

“A existência de uma taxonomia para a sustentabilidade, comum a nível global, é fundamental para clarificar o que são genuínos investimentos verdes e assegurar um campo nivelado de atuação (level playing field). Há ainda trabalho a fazer, trabalho este que requer um esforço coordenado a nível político e regulatório”, defendeu a responsável pela ASF que reconhece que de um ponto de vista regulatório, “este ecossistema está em rápida evolução”.

Alterações climáticas, catástrofes naturais esperadas e a falta de cobertura por seguros

Em termos prudenciais, “a incorporação das alterações climáticas na avaliação dos riscos e na adequação dos capitais será uma realidade, seja do lado das responsabilidades assumidas – políticas de subscrição e de tarifação – seja do lado das políticas de investimento”, lembrou acrescentando que os riscos das alterações climáticas serão parte integrante da gestão dos riscos de qualquer empresa de seguros e entidade gestora de fundos de pensões.

“É fundamental encontrar um adequado ponto de equilíbrio entre os requisitos de capital exigidos e os riscos inerentes aos investimentos sustentáveis”, disse Margarida Correa de Aguiar que lembrou que “a negociação em curso da revisão do regime de Solvência II adotada pela Comissão Europeia é uma excelente oportunidade para esta ponderação”, defendeu.

Ao nível da contratação e gestão do risco, “o setor segurador promove a proteção das famílias e das atividades económicas face a riscos climáticos. Para um futuro sustentável, os seguros devem contribuir para a redução dos protection gaps existentes”.

“A pandemia veio dar mais visibilidade à problemática do protection gap, isto é, do diferencial entre as perdas económicas decorrentes de eventos adversos e aquelas que se encontram efetivamente protegidas por intermédio de cobertura seguradora”, disse.

A presidente da ASF alertou que a penetração de seguros em Portugal com coberturas de riscos catastróficos “é reconhecidamente baixa, especialmente quando comparada com outras economias desenvolvidas, amplificando a vulnerabilidade social e da atividade económica para riscos desta natureza”.

Em Portugal, “estima-se que para riscos de catástrofe natural muito relevantes, como tempestades e cheias, mais de metade do parque imobiliário residencial não esteja coberto, e que a penetração se situe mesmo abaixo dos 20% no caso do risco sísmico, o qual constitui uma importante vulnerabilidade em termos nacionais, a nível económico, social e de estabilidade financeira”, revelou citando um estudo da Agência Europeia do Ambiente que diz que “no nosso país apenas 9% dos prejuízos decorrentes de eventos climáticos e meteorológicos extremos, ocorridos entre 1980 e 2019, estavam cobertos por seguros”.

“As alterações climáticas irão, previsivelmente, aumentar a severidade e frequência de ocorrência de fenómenos naturais adversos, reforçando os receios de crescentes limitações na disponibilização de cobertura de seguros (insurability) ou da sua disponibilização a tarifas economicamente viáveis (affordability)”, prevê a presidente da ASF.

Margarida Correa de Aguiar considera que mais cedo ou mais tarde haverá catástrofes naturais e não há proteção para isso, indo de encontro à corrente que defende a existência de um fundo sísmico. Esse gap (diferencial entre as perdas económicas decorrentes de eventos adversos e aquelas que se encontram efetivamente protegidas por intermédio de cobertura seguradora) “exige que se encontrem soluções para encurtar esse e outros gaps para diversos riscos a que estão sujeitas as famílias e as atividades económicas e, no limite, o Estado: sejam riscos catastróficos, sejam riscos pandémicos ou riscos de longevidade”.

“O desenvolvimento de medidas que estimulem a procura e possibilitem a oferta de produtos a preços comportáveis, com vista à colmatação do protection gap, será, assim, essencial para propulsionar a resiliência nacional a fenómenos daquela natureza. Estas medidas passarão inevitavelmente pela cooperação entre entidades governamentais, entidades públicas e entidades privadas”, defendeu a presidente da ASF.

“Destaco, neste contexto, a necessidade de dispormos de um mecanismo público que responda ao gap evidente na cobertura dos riscos de fenómenos sísmicos, o qual ganha uma relevância acrescida em Portugal devido às características geológicas do nosso território e à densidade de ocupação e de edificação em zonas particularmente expostas a este tipo de risco”, alertou, numa clara alusão à necessidade de ser criado um Fundo Sísmico. O setor já apresentou ao Governo a proposta para um fundo de oito mil milhões de euros.

“A ASF está disponível, e dispõe de estudos realizados neste domínio, para em cooperação com o Governo trabalhar uma solução que contribua para a redução do gap existente”, referiu a responsável.

Futuro do financiamento é digital

No que toca à transição digital, Margarida Correa de Aguiar lembrou que a Comissão Europeia declarou em 2020 que “o futuro do financiamento é digital”.

“Com efeito, o fenómeno que se designa por transformação digital e que se materializa na adaptação dos modelos de negócio às mais recentes inovações tecnológicas não passou ao lado do setor financeiro. A transformação digital tem tido reflexos nas áreas de gestão, operacionais, de avaliação do risco e de comercialização, com impactos positivos em termos de ganhos de escala e de eficiência, agilização e flexibilização e redução de custos”, referiu.

A forma como as empresas de seguros e os fundos de pensões se relacionam com os consumidores e os investidores, seja na contratação dos seguros, seja na gestão dos sinistros ou na captação e aplicação da poupança está a mudar, reconheceu a presidente da ASF.

“De um ponto de vista regulatório, este ecossistema está, também, em rápida evolução. Em termos prudenciais, a incorporação da digitalização na avaliação prudencial dos riscos e dos capitais adequados será uma realidade, designadamente do lado das responsabilidades assumidas – políticas de subscrição e de tarifação” disse a gestora acrescentando que “um exemplo desta problemática é o risco cibernético que, no caso do setor segurador apresenta uma dupla vertente: por um lado, enquanto risco que as próprias empresas de seguros enfrentam e que devem endereçar adequadamente no quadro dos seus modelos de gestão do risco, e por outro lado, enquanto linha de negócio que pode ser explorada”.

Problemática do envelhecimento e longevidade da população

“Gostaria de deixar uma nota sobre o envelhecimento da população, um fenómeno inexorável em aceleração em Portugal e na Europa em geral, resultante do aumento progressivo da esperança média de vida e da descida da taxa de natalidade”, disse Margarida Correa de Aguiar.

Segundo a responsável pela entidade reguladora, “o aumento da longevidade está a impor, desde há muito, correções na redistribuição do consumo e do rendimento ao longo do ciclo de vida. Sendo maior a longevidade, é necessário gerar mais rendimento e/ou acumular mais poupança durante a vida ativa”.

“Também neste domínio é visível a existência de um protection gap”, constatou.

“Os seguros e os fundos de pensões têm um papel importante a desempenhar na oferta de respostas às necessidades trazidas pela longevidade” pelo que “responder a este desafio passa pela mobilização de poupança de longo prazo e pela incorporação de inovação no desenho de produtos”, defendeu.

“Este desenho deverá ser capaz de conciliar fluxos regulares de rendimento na reforma e proteção dos riscos de despesas médicas e de outras provenientes de problemas de saúde que decorrem do aumento da idade e da dependência”, referiu.

Margarida Correa de Aguiar reconheceu que “estamos na presença de uma mudança de paradigma em que a promoção de uma cultura de poupança, alicerçada nas suas finalidades e objetivos específicos, poderá ajudar a ultrapassar o desincentivo que constituem as baixas taxas de juro para a mobilização de poupança de longo prazo”.

A presidente da ASF lembrou que “não podemos dissociar a redução do gap existente das políticas públicas na criação de adequados incentivos à poupança para a reforma”. Pois, o envelhecimento da população “está a colocar pressões crescentes na sustentabilidade financeira dos sistemas públicos de pensões e nos sistemas de saúde”.

Em termos históricos, Portugal apresenta um perfil de poupança dos particulares relativamente baixo, lembrou. De acordo com números de 2017 do Banco Central Europeu, a percentagem de famílias com planos voluntários de pensões/seguros na área do euro era igual a 28,4%, mais do dobro que em Portugal, que registava 13,2%.

A comparação da realidade nacional com a de outros países da OCDE evidencia a existência de diferenças significativas no papel desempenhado pelos regimes complementares de pensões.

A presidente da ASF destacou a solução pan-europeia de poupança para a reforma, conhecida por PEPP. O PEPP, cuja comercialização se poderá iniciar em março de 2022 em todos os países da União Europeia, “constitui mais uma possibilidade de reforço dos regimes nacionais de pensões”.

“Em Portugal está em curso a elaboração de um projeto de diploma com a regulamentação necessária para a sua entrada em vigor”, disse ainda.

A responsável pela ASF lembrou também que as autoridades de supervisão enfrentam grandes desafios. “É por demais evidente que terão de aderir às novas tecnologias, de modo a acompanharem as transformações do setor financeiro e a disporem de forma mais rápida e eficaz dos dados de que necessitam para fazerem o seu trabalho”.

Margarida Correa de Aguiar diz que as autoridades de supervisão têm a responsabilidade de assegurar que o tema da sustentabilidade é incorporado na cultura dos ecossistemas dos seguros e dos fundos de pensões.

“Os seguros e os fundos de pensões contam com uma visão holística e moderna da regulação e supervisão por parte da ASF”, assegurou acrescentando que “a proteção do consumidor de seguros continuará a ser uma prioridade da ASF”.

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