1. Esqueçamos por breves instantes que Pedro Passos Coelho deu mais um monumental tiro no pé com a história dos alegados suicídios em Pedrógão.

Esqueçamos também que, para escândalo dos anónimos justiceiros do Facebook, anda por aí um jornalista também anónimo a escrever artigos desfavoráveis contra o Governo na imprensa espanhola. Esqueçamos o ‘spin’, a baixa política e a intriga que grassam nos nossos partidos, da esquerda à direita. Esqueçamos os senhores que, com tom grave e sério, nos pedem que não se faça “aproveitamento político” de uma catástrofre onde existem responsabilidades políticas. Esqueçamos a desfaçatez daqueles que lucram com a “estação dos fogos”. Esqueçamos tudo isto e os papagaios do costume. Com que ficamos?

Com 64 mortos e um número ainda indeterminado de feridos e desalojados, na sequência de um incêndio que, provavelmente, poderia ter sido evitado com uma gestão adequada do território. E cujas dramáticas consequências poderiam ter sido significativamente reduzidas se não tivessem ocorrido falhas por parte das autoridades, como revela a chamada “fita do tempo” da Proteção Civil, divulgada esta semana. A triste conclusão é que 64 pessoas morreram porque o Estado português não foi capaz de as proteger e socorrer como deveria.

A responsabilidade não é apenas deste Governo, como é evidente, pois os problemas da floresta portuguesa têm décadas. Mas este Governo representa o Estado, entidade que falhou na sua missão. E alguém tem de assumir a responsabilidade política por esse facto.

Por isso sim, a ministra Constança Urbano de Sousa deve demitir-se. E demitir-se numa situação destas não constitui sinal de fraqueza ou sequer de falhanço pessoal, mas antes uma prova de elevada estatura cívica, como se viu com Jorge Coelho após a queda da ponte de Entre-os-Rios.

O verdadeiro aproveitamento político não está no facto de alguém questionar a atuação das autoridades nesta tragédia, mas sim em tentar utilizar o sofrimento das vítimas para retirar legitimidade a quem pede que sejam apuradas responsabilidades.

2. A Altice confirmou os contactos para comprar a Media Capital, o grupo dono da TVI, a principal estação de televisão em Portugal. A jogada não é propriamente inesperada, dadas as notícias que têm sido publicadas nos últimos meses e o racional que lhe está subjacente, que é o facto de as operadoras de telecomunicações precisarem de conteúdos para poderem disputar o competitivo mercado do ‘pay tv’. Longe vão os tempos em que as operadoras dependiam apenas dos impulsos das chamadas telefónicas.

No caso da Media Capital, o atrativo para a Altice não será apenas o navio-almirante TVI, mas também a Plural, a produtora audiovisual do grupo. A Plural é hoje uma das maiores produtoras audiovisuais na Península Ibérica, tendo sido responsável por 23% das receitas da Media Capital, no ano passado. A eventual compra da Media Capital permitirá à Altice entrar num segmento decisivo para as guerras de audiências entre estações de televisão, que é o da produção de séries e telenovelas.

E como responderá a NOS ao desafio lançado pela Altice? Com um eventual interesse na Impresa, a dona da SIC, como defendem alguns analistas? Talvez. Agora se este interesse se vai traduzir ou não num investimento na Impresa é outra questão, tendo em conta a relutância já demonstrada pela gestão da NOS e o duelo público entre Francisco Pinto Balsemão e Isabel dos Santos. É importante não esquecer que a NOS é metade Sonae, metade angolana. Neste contexto, talvez o cenário mais exequível seja uma parceria na área dos conteúdos e não a compra de parte da Impresa pela NOS.