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Auditores alertam para possível ‘buraco’ de três mil milhões no Metro de Lisboa

São seis as reservas elencadas pela auditora BDO às contas do Metropolitano de Lisboa referentes a 2018, e que foram apresentadas ontem pela administração da empresa. Estas questões poderão agravar ainda mais a situação financeira do ML.
4 Agosto 2019, 09h00

Existem sérias dúvidas sobre o real retrato das contas do Metropolitano de Lisboa (ML) referentes a 2018, enviadas ontem, dia 18 de julho, pela empresa pública à CMVM – Comissão do Mercado de Valores Mobiliários. Nesse documento, o relatório de auditoria da BDO emite várias reservas, a principal das quais tem a ver com a forma como a administração do ML tem vindo a contabilizar no seu balanço os investimentos em infraestruturas de longa duração (ILD), assim como o respetivo financiamento.

“Não é claro o enquadramento legal ou contratual, que tem vindo a ser assumido pelo Grupo, da eventual obrigação do Estado de reembolsar o Grupo pela parte não subsidiada do investimento em ILD e pelos gastos associados ao seu financiamento, subsistindo assim uma importante incerteza quanto à recuperação dos valores investidos em ILD e à forma e valor de realização da referida conta a receber do Estado de 2.955 milhões de euros, o que configura uma limitação ao âmbito do nosso trabalho no que respeita à valorização dos referidos ativos e ao impacto desta política contabilística nos resultados e no capital próprio do Grupo”, revela o referido relatório de auditoria da BDO.

Segundo esta auditora, o Grupo ML “considera que a responsabilidade pelo financiamento das infraestruturas de longa duração (ILD) que tem vindo a construir, renovar e explorar pertence ao Estado português, registando, assim, no seu ativo não corrente todos os custos de construção e gastos associados à construção e financiamento em ILD, numa rubrica designada ‘Investimentos de infraestruturas de longa duração’, no valor acumulado de 5.116,6 milhões de euros que, a 31 de dezembro de 2018, permanece registado ao custo, incluindo ativos fixos tangíveis que não têm vindo a ser depreciados, líquidos de subsídios, no valor de 2.128 milhões de euros, bem como uma conta a receber do Estado de 2.955 milhões de euros”. O que quer dizer que as dúvidas da auditora BDO às contas apresentadas pelo ML referente ao exercício de 2018 podem extravasar bem para lá do montante dos três mil milhões de euros indicados.

Outra dúvida lançada pela BDO passa pelo facto de que a administração do ML, “de igual modo, tem vindo a registar no passivo, em rubricas com a mesma designação de ‘investimentos em infraestruturas de longa duração’, os financiamentos obtidos, outras dívidas a pagar e provisões relacionadas com a construção, renovação e financiamento das ILD, incluindo 2.326,3 milhões de euros no passivo não corrente e 900 milhões de euros no passivo corrente”.

Por outro lado, a BDO recorda que, “através de contrato de concessão celebrado em março de 2015, o Estado Português atribuiu ao Metropolitano de Lisboa, E.P.E. a concessão, até 1 de julho de 2024, do transporte público por metropolitano de passageiros na cidade de Lisboa e concelhos limítrofes, compreendendo a universalidade dos bens afetos à concessão, que se encontram evidenciados no ativo do Grupo, bem como os direitos e obrigações destinados à realização do interesse público”. Mas a auditora alerta que, “no entanto, as demonstrações financeiras consolidadas de 2015 a 2018 não refletem qualquer alteração na classificação, reconhecimento e mensuração dos ativos afetos à concessão, bem como outros eventuais efeitos decorrentes do contrato de concessão, não sendo possível quantificar os efeitos desta situação nas demonstrações financeiras consolidadas, o que constituiu uma limitação ao âmbito do nosso trabalho”.

E a BDO prossegue com as reservas: “em 28 de março de 2016, a empresa procedeu à anulação administrativa da adjudicação da subconcessão da atividade a uma outra entidade, que havia sido efetuada em 2015”, acrescentando que “tendo essa entidade contestado judicialmente a referida anulação, desconhece-se os eventuais efeitos caso a decisão judicial venha a ser desfavorável às pretensões do Metropolitano, o que constituiu uma limitação ao âmbito do nosso trabalho”. Neste caso, a auditora está a aludir ao processo de privatização do ML ao grupo mexicano ADO, decidido pelo anterior governo de Pedro Passos Coelho, processo que foi revertido pelo atual Executivo de António Costa já depois de se ter procedido à respetiva adjudicação. O grupo mexicano recorreu para os tribunais, exigindo uma indemnização de 42 milhões de euros, fora os juros, continuando o processo a decorrer ao fim de quatro anos.

A BDO lança ainda reservas às contas do ML no que respeita à rubrica de diferimentos, por causa de uma verba de 30,4 milhões de euros de obras efetuadas pela empresa por conta de entidades do Setor Empresarial do Estado que ainda não foram faturadas e que poderão vir a não ser recuperados; sobre o facto de os procedimentos de validação dos processos associados às alterações das repartições de receitas entre os operadores que prestam serviço público de transporte público ainda não estarem completamente implementados; e também porque o balanço do ML apresentava a 31 de dezembro de 2018 um montante de 7.135 milhões de euros em inventários que não se encontravam reconciliados com os bens existentes fisicamente em armazém, nomeadamente com as peças sobresselentes.

Também a sociedade de revisores oficiais de contas Alves da Cunha, A. Dias & Associados coloca diversas reservas quanto às contas da empresa, mencionado o contrato de concessão de serviço público assinado a 5 de dezembro de 2014 entre o Estado português e a empresa, evidenciando dúvidas quanto às classificações, reconhecimentos e mensurações dos ativos do ML, assim como na referida questão da avaliação, posse e utilização das referidas ILD da empresa.

Em 2018, o volume de negócios do ML subiu 5,1%, para 114,5 milhões de euros, mas os resultados antes de impostos degradaram-se em cerca de 4,1 milhões de euros, enquanto o resultado operacional apresentou um decréscimo de 6,1 milhões de euros face ao ano anterior. Também o EBITDA, corrigido, registou um agravamento, tendo caído 5,6 milhões de euros e passado ao ‘vermelho’, com uma situação negativa em 5,2 milhões de euros no final do exercício passado.

Artigo publicado na edição nº1998, de 19 de julho, do Jornal Económico

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