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Auditoria da Deloitte ao Novo Banco chega ao Parlamento como documento “classificado”

Está agora nas mãos do presidente da Comissão de Orçamento e Finanças definir em que termos e por quem poderá ser consultada a auditoria que Deloitte entregou ao Governo sobre os actos de gestão dos últimos 18 anos do BES/Novo Banco e que revela perdas de 4.042 milhões de euros. Documento será remetido pelo Governo à Procuradoria-Geral da República.
1 Setembro 2020, 11h59

Ainda não são conhecidos os termos que os deputados da Assembleia da República poderão ter acesso à auditoria da Deloitte aos atos de gestão dos últimos 18 anos do BES/Novo Banco, que o Governo enviou ao Parlamento na madrugada desta terça-feira, 1 de setembro.

O Jornal Económico sabe que o documento foi enviado ao Presidente da Assembleia da República como “classificado”, cabendo agora ao presidente da Comissão de Orçamento e Finanças (COF) definir em que termos e por quem poderá ser consultada a auditoria que revela perdas de 4.042 milhões de euros para o Novo Banco. Está, assim, nas mãos de Filipe Neto Brandão definir a informação que os deputados poderão ter acesso, a que parlamentares poderá ser enviado ou poderão consultar o documento com acesso reservado.

O JE sabe que a carta dirigida a Ferro Rodrigues pelo Governo que faz a síntese do objeto e das conclusões da auditoria da Deloitte à gestão o Novo Banco entre 2000 e 2018 foi acompanhada de uma pen drive com o relatório e outra pen drive com as chaves de acesso. Até ao final desta manhã, o JE ouviu vários deputados que asseguraram que ainda não foram definidos os termos e quem poderá consultar o documento. Esta definição caberá ao presidente da COF, Filipe Neto Brandão, com quem o JE tentou contactar, mas sem sucesso até ao momento. O deputado socialista vai, assim, avaliar a forma e definir os deputados que poderão aceder à informação, podendo determinar que todo os deputados da COF tenham sido ao relatório, mas apenas podendo consultar o documento em papel com esta consulta a ter de ser acompanhada pelo presidente os algum elementos dos serviços da COF. Outro tipo de regras poderão também ser definidas como os deputados poderem consultar o documento, mas sem estarem acompanhados de telemóvel ou outro tipo de dispositivos. Resta agora saber se a decisão dos termos desta consulta será tomada nas próximas horas ou na próxima semana.

A auditoria arrisca, assim, a chegar aos deputados de forma amputada, pois as informações sob segredo bancário deverão ser excluídas à semelhança de outro tipo de relatórios que tem acesso condicionado e foram igualmente amputados de informação.

No ano passado, o relatório extraordinário sobre os grandes devedores da banca chegou ao parlamento a 23 de maio. Logo nesse dia, o supervisor anunciou que iria publicar o documento, mas de forma amputada, pois as informações sob segredo bancário seriam excluídas. O supervisor divulgou assim parte do relatório sobre os grandes devedores e operações na origem das perdas avultadas dos bancos – perdas que levaram os contribuintes a injetarem mais de 23.800 milhões de euros à banca entre 2007. Ficou de fora a lista dos devedores, tendo o Banco de Portugal deixado claro os deputados a obrigatoriedade de sigilo sobre o anexo onde constavam aquelas operações por considerar que “divulgar informação sobre as operações e os clientes ameaça a estabilidade financeira.

A entrega deste documento à Assembleia da República aconteceu depois de em fevereiro de 2019 o Parlamento ter aprovado uma lei que obrigava o Banco de Portugal a fazer um relatório extraordinário com a informação sobre os devedores das instituições financeiras que tinham beneficiado do apoio de fundos públicos nos últimos 12 anos. Em causa estão os grandes devedores não só da Caixa Geral de Depósitos, mas também do BES/Novo Banco, BCP, BPI, Banif, BPN e BPP.

A lei aprovada no ano passado, que desfaz o sigilo bancário perante pedidos justificados da Assembleia da República, prevê que o regulador possa enviar estas instruções aos deputados. O supervisor terá ido mais longe ao enviar para o Parlamento um documento sem a quantificação das dívidas.

Auditoria revela perdas de mais de quatro mil milhões

A Deloitte entregou ao Governo a auditoria aos atos de gestão dos últimos 18 anos do BES/Novo Banco, nesta segunda-feira, 31 de agosto. Segundo as Finanças, a auditoria analisa 283 operações que geraram perdas de quatro mil milhões de euros. A auditoria será remetida pelo Governo à Procuradoria-Geral da República.

O Governo não será a única entidade a ter acesso à auditoria uma vez que as Finanças esclarecem que o documento será entregue também ao Banco Central Europeu, ao Banco de Portugal, ao Fundo de Resolução, à Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões e à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários.

Ao longo de 13 pontos, o Ministério das Finanças avançou ao início desta madrugada, em comunicado, que a auditoria “incide sobre um período muito alargado da atividade do Banco Espírito Santo até 2014”, período relativamente ao qual “estão em curso processos criminais”. Por esse motivo, e também devido “à necessidade de salvaguarda dos interesses financeiros do Estado”, a auditoria será remetida pelo Governo à Procuradoria-Geral da República.

Segundo as Finanças, o documento evidencia que as perdas do Novo Banco se deveram “fundamentalmente” à exposição a ativos “que tiveram origem no período de atividade do Banco Espírito Santo” — tal como o Jornal Económico noticiou na semana passada — e que foram transferidos para o balanço do Novo Banco após a resolução do BES.

A amostra total da auditoria da Deloitte ao Novo Banco abrange 283 ativos, entre créditos, imóveis, títulos e operações com subsidiárias que tenham gerado perdas cobertas pelo Mecanismo de Capital Contingente (CCA). A amostra terá abrangido 100 devedores e outros que o Fundo de Resolução tenha decidido adicionar ao escrutínio da Deloitte.

Sobre o período de análise ao Novo Banco, entre 4 de agosto de 2014 (um dia depois da resolução do BES) e 31 de dezembro de 2018, a Deloitte concluiu que esta instituição de crédito incorreu em perdas líquidas de 4.042 milhões de euros em 283 operações.

Foram analisados três blocos de atos de gestão do Novo Banco praticados naquele período. Foram auditadas 201 operações de crédito que geraram perdas de 2.320 milhões de euros, 26 operações com subsidiárias e associadas, que causaram perdas de 488 milhões de euros e ainda 56 operações com outros ativos, que geraram perdas no valor de 1.234 milhões de euros.

Trata-se de um relatório “extenso” e que “descreve um conjunto de insuficiências e deficiências graves de controlo interno no período de atividade até 2014 do Banco Espírito Santo no processo de concessão e acompanhamento do crédito, bem como relativamente ao investimento noutros ativos financeiros e imobiliários”, frisam as Finanças.

“O relatório da auditoria especial evidencia que as perdas incorridas pelo Novo Banco decorreram fundamentalmente de exposições a ativos que tiveram origem no período de atividade do Banco Espírito Santo e que foram transferidos para o Novo Banco no âmbito da resolução”, acrescentou o comunicado das Finanças.

Em relação ao Novo Banco, o relatório descreve “os progressos realizados nestas matérias no período de atividade” da instituição de crédito.

O mandato que foi atribuído à Deloitte definiu como âmbito da auditoria a caracterização das perdas e outras variações patrimoniais entre 4 de agosto de 2014 e 31 de dezembro de 2018 e que provocaram chamadas de capital ao Fundo de Resolução no âmbito do CCA.

A auditoria não se limita ao período das perdas, analisa também as operações desde a sua origem e dessa forma abrange o período de 2000 e até 2018, tal como já foi noticiado.

A análise abrangeu a concessão de créditos, de garantias, reestruturações, dações em cumprimento ou execução de garantias, venda de carteiras de crédito ou transferência para fundos de reestruturação; decisões de investimento, expansão ou desinvestimento realizadas em Portugal ou no estrangeiro; e decisões de aquisição e venda de ativos.

 

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